segunda-feira, 21 de junho de 2010

P40 Corações e máquinas

Corações de aço...
Após a reedição de textos sobre o conflito entre Israel e a Palestina, vejo nos jornais que um novo comboio de navios começa a ser organizado para tentar furar o bloqueio até a Faixa de Gaza pelo mar. É mais do que apenas mais uma vez Israel declarar através de seus porta-vozes que irá jogar toda força militar sobre esses navios. Não só a opinião pública mundial estará mais atenta como também começam a aparecer cada vez mais testemunhas do que já aconteceu e do que pode acontecer.

Causa pesar que os filhos de um povo que já esteve cercado no Gueto de Varsóvia durante a 2a. Guerra Mundial pelas tropas nazistas, não veja hoje nenhum erro em proceder como seus antigos captores, quando prendiam e executavam os que levavam alimentos para dentro do gueto de forma clandestina. Fica fácil para Israel acusar tudo e todos de terroristas, de chamar até crianças palestinas de terroristas também enquanto que em seus quadros de fotografias no Yad Vashem ou Museu do Holocausto em Jerusalém o papel das crianças judias quando conseguiam levar alimentos aos judeus cercados no gueto seja visto de forma diferente.

Para Israel nada há de errado em ser indiferente para com o destino de crianças palestinas perdidas em campos de refugiados ou atingidas em bombardeios contra populações civis, enquanto que ao mesmo tempo cobra de forma silenciosa lágrimas dos visitantes do museu ao verem fotos de crianças judias executadas pelos soldados nazistas. E que diferença existe entre estes pequenos corpos? Que diferença podemos ver entre os corpos de crianças judias mortas em 1943 por tropas nazistas que sabiam para onde atiravam e entre os corpos de crianças palestinas mortas por soldados israelenses em 2010, que também sabiam para onde atiravam? Que diferença terão as lágrimas então? Os israelenses acham essa comparação injusta, mas caiu no consenso do mundo.

Quando em 1948 se lançaram na hoje tão lamentada criação do estado de Israel, os judeus talvez nem por um instante imaginassem que o povo que varreram a fogo de metralhadoras da terra que diziam ser sua por direito divino pudesse se organizar em um exército de guerrilhas que sobrevive aos tempos e adota nomes que refletem seu extremismo. Diziam os sionistas que a criação de Israel era a destinação de uma terra sem povo para um povo sem terra. E os palestinos estavam lá porquê?

Uma cruel ironia da história esse modo de ver as coisas. O nazismo doutrinava seus soldados para verem como povo apenas o povo ariano, um povo eleito pelas suas virtudes proclamadas pelo regime. Os habitantes de outros países não eram um povo, eram apenas um obstáculo a ser removido pela força militar. O sionismo não pensa muito diferente. Terra apenas para o povo eleito, pelas suas virtudes auto-proclamadas e por um decreto divino. Quanto ao resto dos habitantes da região, apenas um obstáculo a ser removido pela força das armas, como ensinam aos seus soldados. Quem pode esperar a paz agindo assim? Vendo nos livros de história como terminou o nazismo, é pouco provável que o sionismo tenha um fim diferente.

Para Israel é fácil chamar o grupo palestino Hamas de grupo de terrorista. E o que era o Irgun no passado, na época da criação do seu estado? Um grupo judeu extremista que cometia atos de terrorismo contra os civis palestinos e as tropas britânicas em 1948, como no atentado contra o Hotel King David que matou 91 pessoas. Mas esses são diferentes, eram heróicos combatentes sionistas. Falar que eram terroristas estraga o cenário. Terroristas são os combatentes do Hamas, que faz a mesma coisa que o grupo judeu fazia em 1948. Mas aí é diferente. Enquanto isso crianças judias choram ao serem socorridas após mais um ataque de foguetes contra uma cidade israelense. E fazendo tudo o que fazem, os israelenses esperavam receber o que em troca? Dos dois lados, crianças são as maiores vítimas. Dos dois lados, pequenos feridos que viram a morte de um familiar ou de um amigo tornam-se radicais dispostos a tudo.

O que é mais impressionante em todo esse cenário é que aos poucos, como numa transformação silenciosa, em cada pessoa o coração vai se tornando de aço, tão igual como o das armas ou máquinas de guerra. Dos dois lados as batidas dos corações deixam de ser ouvidas como são.

Passam a serem ouvidas no ruído de uma metralhadora ou nos passos cadenciados da interminável fila de soldados suicidas que se apresentam contra Israel.

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