quinta-feira, 4 de novembro de 2010

P53 Obrigado por votar...e fumar.

Nenhum ministério vai dizer que votar faz mal para a saúde...
Da safra de bons filmes lançados em 2006, um foi "Obrigado por fumar" que mostra em forma de comédia política o trabalho de um lobista da indústria de cigarros norte-americana, Nick Naylor, que com uma capacidade magistral de argumentação e uma inacreditável habilidade para manipular a verdade, era capaz de fazer até mesmo um doente de câncer de pulmão aceitar a idéia de que afinal o cigarro não era tão prejudicial assim e isso em frente às câmeras de um programa de entrevistas, deixando a platéia antes hostil, indecisa e confusa. Depois, ele viaja para a casa de um antigo ator de anúncios de cigarros agora também com câncer de pulmão com uma maleta cheia de dólares, entrega tudo para ele, admite que é um suborno, mas um bom suborno e manipula conceitos, de moral, verdades e idéias de tal forma que o inicialmente revoltado doente terminal acaba aceitando o dinheiro e ficando de boca fechada para qualquer entrevistador que viesse a procurá-lo.
-
Quando sai para almoçar e encontra seus dois colegas de profissão num restaurante, eles formam um trio surpreendente. Nick está entre seus pares de pensamento. Polly, uma de suas melhores colegas, trabalha a favor da indústria de bebidas convencendo professores, entrevistadores e audiências de que apesar do crescente alcoolismo entre jovens e da destruição que ele causa na sociedade, afinal todos tem o direito de ter uma garrafa de bebida sempre ao seu alcance e amortece as objeções contra a bebida. Bobby seu outro antigo colega trabalha a favor da indústria de armas, convencendo a todos de que mesmo com tiroteios em escolas e violência fora de controle, qual é o problema em que as armas circulem livremente por aí? Os três são mestres em manipular sentimentos, maquiar a verdade e remodelar convicções. Ou pelo menos em deixar todos confusos e sem argumentos. Nunca dizem que estão mentindo. Apenas em seus pensamentos admitem isso. E argumentando com eles mesmos. Mas fazem o trabalho que as indústrias precisam e são bem pagos. Na vida pública em frente às câmeras de televisão, em frente ao público das conferências e mesmo em frente a um comitê do senado norte-americano, Nick não só defende suas idéias de uma forma que deixa seus opositores sem respostas, como ainda traz à tona certas atitudes ambíguas e contraditórias dos que pretendem combatê-lo, deixando-os em situação embaraçosa em frente a milhões de telespectadores. E ensina ao próprio filho que na verdade as pessoas possuem uma coisa que ele chama de moral flexível. É só saber argumentar direito e mesmo não provando nada, não declarando coisa alguma, fica parecendo que disse tudo o que queriam ouvir.
-
Na verdade Nick até passa a ser visto com admiração por parcelas consideráveis da opinião pública, porque parece no fim das contas apenas um sujeito empenhado em defender a causa que todos abandonaram sem saber direito porque e faz sua defesa aguentando ataques de todos os lados. Que ele desarma um a um, claro. -
Não tem muita diferença com o processo eleitoral aqui do Brasil. Aliás comparando a atuação de Nick frente às câmeras e em debates, a diferença entre ele e os candidatos que disputaram a última eleição presidencial brasileira é apenas de idioma. As atitudes são as mesmas, o discurso de manipulação de verdades, moral e idéias é o mesmo, apenas a finalidade é que é outra. Nick Naylor fazia tudo isso e ganhava seu salário das empresas para as quais trabalhava e esperava uma promoção apenas. Os presidenciáveis brasileiros fizeram tudo isso e a intenção sempre foi galgar um posto para ter o poder de aparelhar o Estado com seus amigos de partido e aliados e dar os restos de uma grande festa ao povo, fazendo com ele ele acredite que as coisas mudaram. Na verdade, passa-se tinta e verniz numa casa caindo as pedaços e diz-se a todos que a realidade mudou. Nick Naylor sem dúvida é um exemplo de honestidade perto dessa gente. Seu salário não custava nada a nenhuma viúva sustentada por uma minguada aposentadoria. -
Um exemplo claro é o de Dilma Rousseff, candidata do Partido dos Trabalhadores , o PT hoje bem gordo e diferente dos esquálidos operários e que venceu a eleição. Tratava-se de dizer ao povo que jamais foi a favor do aborto, mas discutiu isso sim como um "direito da mulher" em tempos passados, mas para fazer frente à maledicência dos bispos católicos simpáticos ao outro candidato desde o início, afinal promessas de doações e regulamentações a favor da igreja pesam e vendo a sangria de votos aumentando, não só mudou de opinião como também ao mesmo tempo deixou a porta aberta para uma lei providencial que venha a permitir o aborto sob o nome de "saúde pública". Claro, o caso do inesquecível escândalo da Casa Civil, o onipresente fantasma de José Dirceu que hoje alega ser "consultor" em Brasília, a volta de Antônio Palloci como cotado para um cargo, esquecendo-se o seu caso da quebra do sigilo bancário de uma testemunha do caso do mensalão, o seu passado na luta armada e o assalto à residência do finado governador Adhemar de Barrros com o roubo do seu cofre onde diziam haver milhões de dólares, tudo isso ficou encoberto sob a névoa da luta armada romantizada e da vida política atarefada, onde não é possível ver tudo o que acontece.
-
Belos discursos, evitando-se o quanto possível tocar nesses assuntos e quando impossível, fazendo-o sob uma verdadeira cortina de fumaça de alegações, contra-alegações e desmentidos. E também, de forma quase beatífica, a presença em igrejas e os beijos em estátuas religiosas. Terminada a campanha e com o resultado na mão, tudo isso foi esquecido e ela passou às articulações políticas com a voz subitamente carregada de um tom arrogante, desaparecendo a suavidade suplicante da fala dos dias finais. Santos e igrejas foram completamente esquecidos. Em suas ponderações Nick Naylor era mais cortês com o público, mesmo vencedor.
Do lado de José Serra, atitudes semelhantes na tentativa desesperada de salvar o Partido da Social Democracia Brasileira, o gravemente enfêrmo PSDB, que atacado por um processo de metástase política percebia em seu interior as inevitáveis defecções e debandadas políticas em direção ao provável ganhador, ainda de forma discreta, mas que logo virou uma corrida pelos cargos. Ajudado pela grande mídia paulista e carioca, atrasada e conservadora como sempre mas que se pinta de progressista, Serra pôde falar o quanto foi possível sobre a ameaça "abortista" da vitória de Dilma, até que a denúncia pública de uma ex-aluna de sua mulher sobre um aborto que ela teria feito na década de 70 abortou seu discurso.
-
Serra ainda tentou associar sua imagem também às igrejas e beijos em santos, enquanto falava sobre sua "impoluta" vida pública quando a "Folha de São Paulo" na semana final das eleições publicou a reportagem sobre a suspeita de licitações com preços combinados nas obras do metrô paulista sob a gestão de Serra da ordem de 4 bilhões de reais, enquanto seus antigos colegas, um recém-eleito governador e o seu vice agora no governo davam ordens para investigar as licitações. Nick Naylor quando se via sem argumentos ao menos mantinha a postura corajosa de encarar o público de tal forma que despertava simpatias pelo estoicismo, sem se esconder atrás de bolinhas de papel. -
Enquanto isso, já bem para trás, ficava na memória a postura de Marina Silva, com sua aura de defensora da natureza, que atacando o que chamava de política tradicional e de conchavos, se esquivava com grande desenvoltura das perguntas de porque ficara no governo ao saber do caso do mensalão em 2006? Ora, nada mais fácil dizer que a vida política atarefada não permite que se saiba de tudo o que acontece. Um governo então não trabalha em compartimentos estanques, onde ninguém se comunica com ninguém? Essa coisa de todos conversarem com todos numa reunião presidencial é coisa de filme americano. Uma outra candidata já tinha usada esse discurso e deu certo.
-
Tendo acumulado considerável capital político que lhe permitiu fazer a política de pêndulo oscilando para o lado que lhe garantisse mais cargos, Marina Silva nem mesmo pôde ocultar a voracidade do seu Partido Verde, o PV por cargos no próximo governo. Para quem se arrogou a figura de honesta e frugal guardiã da natureza, fica difícil explicar os resultados divulgados pelos tribunais eleitorais que mostraram a contabilidade de que dos 24 milhões de reais doados para sua campanha, 11 milhões foram doados pelo vice de sua chapa, Guilherme Leal, que por coincidência é dono da empresa de cosméticos Natura. Nick Naylor quando pega a maleta de dinheiro do presidente de uma indústria para dar ao ex-ator doente, leva-a até seu destino abrindo-a só na frente dele.
-
Seria mesmo interessante que Dilma, Serra e Marina se encontrassem num restaurante em Brasília onde pudessem conversar a sós como Nick, Polly e Bobby conversavam. Só podemos supor de longe, em idéias tenebrosas, que tipo de acertos e negócios teriam sido feitos para essa eleição e que negócios fariam alí.
-
É muito provável que se entrasse no mesmo restaurante nessa hora, Nick Naylor saísse dalí e procurasse um restaurante onde pudesse encontrar seus bons amigos Polly e Bobby.
-
Ele sem dúvida se sentiria bem mais seguro. E na saída tudo o que ele diria ao rapaz do estacionamento seria só isso :
-
- Obrigado por votar...e fumar.