terça-feira, 13 de abril de 2010

P31 O grande truque

De volta ao teatro...
Confesso ao poucos e benvindos amigos leitores que estive ausente neste grande teatro político, a dormir e sonhar tal qual um dissidente russo da antiga União Soviética, enquanto os outros assistiam ávidamente ao pobre e triste espetáculo que se desenrola em nossa frente. Mais outro espetáculo encenado pelos nossos podres três poderes, a exemplo do que também ocorria no finado estado comunista, então chamado de paraíso dos trabalhadores. Sonhavam os dissidentes russos que entravam numa embaixada estrangeira e algum tempo depois estavam livres em outras terras. Livres de toda aquela farsa política. Infelizmente as embaixadas eram cercadas pelos agentes da polícia política formando um árquipelago diplomático, enquanto os russos tentavam se manter à tona no mar em volta. Restava-lhes apenas o árquipelago Gulag, o complexo de prisões soviéticas tão bem denunciado por Alexander Solzhenitzyn.

Vendo as encenações políticas destes tempos, me lembro da citação de um autor sobre o que ele chamava de "monótono desfile de mediocridades" já na década de 70, analisando a baixeza executiva, legislativa e judiciária que entre nós impera.

Despertei bem a tempo de ver o mais recente número de mágica, lamentável por sinal, para encerrar a última peça de teatro do rebolado, onde um assim denominado governador de um chamado distrito federal terminou preso depois de rebolar em meio a denúncias, vídeos e prisões de auxiliares. Enquanto ele representava a peça, outros artistas, travestidos de membros do judiciário e do legislativo lhe deram voz de prisão e o colocaram numa confortável jaulinha onde reluzia a placa "Cadeia" , mas que de cadeia não tinha nada.

Enquanto isso, uma trupe de palhaços entrava no palco gritando elogios aos juízes que estendiam as mãos para serem beijadas. Com as plaquinhas onde se lia "Cidadãos" pregadas em suas testas, os palhaços diziam em voz alta e discursos pungentes que uma nova época se iniciava na política do Brasil, que agora os poderosos estavam indo para a cadeia e voltavam a pular enquanto os juízes diziam estar do lado do clamor popular e depois num canto do palco passavam álcool nas mãos. Beijos do povo, cruzes, que nojo.

Voltei a dormir e acabei acordando algum tempo depois com a encenação da libertação do agora ex-governador, saindo da jaulinha e levado por sua mulher para o conforto do lar e de um ostracismo político, que será regado pelo rico dinheiro público que ele amealhou durante esse tempo todo.

Percebi que tudo havia sido um truque de mágica. Um grande truque. Título mais do que adequado de um filme que vi há pouco tempo e que cai como uma luva para esse teatro do absurdo que temos aqui no Brasil, onde o executivo, o legislativo e o judiciário dançam num infame teatrinho pornô e se pretendem membros de uma grande companhia de teatro a interpretarem de forma virtuosa peças memoráveis da história política.

Enquanto a platéia aqui embaixo aplaude, numa parte dos camarotes os proprietários do teatro se comprazem em ver que tudo sai de acordo com o roteiro. Enquanto isso, na parte superior, os jornalistas estrangeiros encarregados de mandarem suas críticas para os principais jornais do mundo deixam de rir para lamentar a má sorte dos brasileiros abaixo deles, expostos a essas iniquidades que em suas terras faz parte de um secular passado, quando o mesmo tipo de proprietários foi derrubado dos camarotes junto com esses teatros que vieram abaixo em meio a revoluções que de teatrais não tinham nada.

Foi tudo um grande truque. Como diz o velho fabricante de aparelhos de mágica no filme, todo grande truque se divide em três grandes atos. O primeiro chama-se a promessa. O mágico mostra um objeto comum, mas claro, provavelmente não é. Todos sabem que os objetos supostamente comuns mostrados pelo mágico para a platéia são cheios de compartimentos falsos, lugares onde se pode colocar ou tirar alguma coisa que ninguém viu no palco. Basta um ato de prestidigitação. Enquanto os olhares se dirigem para um lugar, a mágica é feita em outro.

O segundo ato chama-se a virada. O mágico pega o objeto comum e o transforma em algo extraordinário.

No truque o mágico mostrou um governador corrupto sendo preso. Em outros países isso é menos que comum. É simplesmente a aplicação da lei e de costumes seculares de probidade e justiça. Aqui no palco político do Brasil, é algo tão incomum que a platéia aplaude mesmo.

A terceira parte chama-se o grande truque e é onde tudo acontece. A platéia vê algo que nunca viu antes.

No caso, na semelhança dos truques dos grandes mágicos enfiados algemados em caixas cheias de cadeados onde deveriam ficar para sempre e saem num instante, nesse caso o mágico mostra o ex-governador saindo de uma caixa política parecida sem problemas.

Tal qual os mágicos para os quais não existe cadeia, cela ou algema que prenda para sempre, bastou uma prestidigitação politico-judiciária para que ele saísse livre. Verdade que agora exposto e notório pela reincidência do que a associação dos mágicos do Brasil chama de crimes, vê-se ele compelido a abandonar o palco, mas não sem antes fazer um último ato de mágica.

O de manter em seu bolso todo o ouro público desaparecido dos cofres de sua administração sem dar contas disso e retirando-se para uma aposentadoria, que se não era desejada, ao menos é forrada de dinheiro.

Dinheiro dos mesmos palhaços que retiram suas placas de "Cidadãos" da cabeça e colocam sobre elas, tal qual coroas, as orelhas de burro que o assistente de palco lhes entrega para o próximo ato.

Olho para as portas do teatro sempre fechadas e penso em dormir de novo.

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