sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

P64 Não gosto de matar ratos

Os ratos, na verdade, são inocentes...
Ao voltar para casa ontem encontrei morto, afogado na ratoeira, um pequeno ratinho. Lamentei pelo jeito que o animal morreu. A água da chuva havia subido perto do bueiro onde eu coloquei a ratoeira e o pobre animal morreu afogado alí. Os amigos leitores haverão de estranhar. Mas porquê lamentar? Ora, fazendo as contas, imagino que a morte do bichinho foi penosa, carregada de agonia, a água subindo e ele preso na ratoeira, tentando escapar e morrendo aos poucos. Contando os outros dois que havia capturado na mesma ratoeira, são três. Entrada de bueiro perto de casa é assim mesmo. Os dois que peguei antes, com calma levei para um descampado aqui perto e soltei na noite. Leis da natureza. No descampado ou são pegos por uma coruja ou outro predador, mas ao menos tem uma chance na luta pela vida. Até mesmo um rato merece isso. A alternativa é matar o bicho ao abrir a portinha da ratoeira com um pisão ou uma porretada, coisa nada agradável de fazer.
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Ao mesmo tempo em que pegava o ratinho morto e o punha no saco de lixo, pensava que afinal, mesmo sendo considerado um animal imundo, ele não tinha culpa de ser assim. Os ratos, seja como for, assim foram feitos pela Natureza e nada mais fazem do que o mesmo que nós, apenas tentam viver. Eles nem fazem idéia do mal que nos causam, apenas chegam e roem o que tem que roer, passam as doenças que tem que passar e são absolutamente inconscientes disso. Apenas vivem, sempre assustados e escondidos em bueiros, sempre no limite da fome e caçados pelos animais maiores. Eles não tem culpa de serem como são. Nenhuma culpa de viverem escondidos, de serem perigosos, de serem sujos.
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Depois de deixar o corpo dele na lata de lixo, entrei em casa e liguei o televisor. Como não poderia deixar de ser, apareceu a notícia de mais um caso de corrupção onde como já é tradicional, políticos estão envolvidos. Um deputado estadual por São Paulo dizia que não tem nada de errado em pagar o aluguel de parentes com verbas estaduais. Enquanto isso no hospital da cidade dele, um pai desesperado depois de três dias sem atendimento médico para o filho com o braço quebrado recorria à polícia para tentar conseguir socorro. Nem falo dos pacientes que morreram ou agonizam sem remédios. Enquanto o hospital está abandonado sem verbas, os parentes de um político corrupto recebem verbas estaduais para pagarem o aluguel. Quem é um dos responsáveis por isso? Um político corrupto. No Piauí uma reportagem mostra que 74 ambulâncias que deveriam estar trabalhando para atendimento de UTI móvel estão abandonadas num pátio, estragando-se dia a dia. Quem provoca desastres assim? Políticos corruptos.
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Mais uma notícia mostra que o corte de 1 bilhão de reais das despesas do governo vai atingir diretamente a educação. A presidente eleita Dilma Roussef já começa a articular votos para o aumento da idade mínima da aposentadoria. Quem vota a favor disso? Políticos corruptos, que ao mesmo tempo desfrutam de aposentadoria privilegiada. Surge também uma notícia de que governadores estão se articulando com deputados federais para tentarem a volta da CPMF com outro nome, alegando aumento de despesas na saúde. Claro, é só para roubar mesmo. Em todos os anos de CPMF isso nunca ajudou em nada. Além disso quem vai pagar a conta de mais 8.000 vereadores que foram eleitos na última eleição por causa de uma emenda constitucional? E quem é o culpado por tudo isso? O político corrupto.

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Aborrecido e ao mesmo tempo lembrando do ratinho morto, comecei a fazer algumas comparações entre a ação dos ratos e dos políticos. Percebi que os ratos além de não terem culpa de serem como são, provocam danos bem menores e são bem menos perigosos do que os políticos, que além de terem culpa de serem como são, provocam danos irreparáveis e milhares de mortes de cidadãos todos os anos.
Fui me lembrando de todas as reportagens sobre a destruição da nossa educação e de quem é a culpa disso tudo. Abandono de escolas construídas por seus antecessores, obras de escolas abandonadas enquanto vereadores e prefeitos se concedem aumentos obscenos, merenda escolar roubada ou dada a animais em fazendas, materiais superfaturados do orçamento federal para escolas que não foram construídas e de quem é a culpa? Dos políticos. Que graças a uma estrutura de poder corrupta administram nosso país e roubam o que podem para eles. Cultura, educação, ciência, isso não tem nenhum valor para eles, interessa apenas o que podem roubar para viverem bem às custas do dinheiro dos impostos, deixando pais, mães e seus filhos desesperados na porta das escolas que ficam sem vagas, sem professores, sem material escolar, sem segurança. Enquanto isso políticos vivem em mansões com esse dinheiro roubado, dão a melhor educação a seus filhos e já é habitual que enfiem seus parentes na administração pública para roubarem mais.
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Os ratos podem atacar uma escola, podem roer um ou outro caderno ou algum material escolar, mas é só isso que fazem. São sujos, vivem escondidos à espreita do que vão atacar e só trazem doenças. Mas não tem culpa do que fazem. Eles não tem consciência de serem assim. No fundo são inocentes.
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Já os políticos sabem que são assim. Que são sujos, que vivem à espreita do que poderão roubar, que são uma doença da nossa sociedade e é assim que gostam de viver e é assim que viverão até serem mortos da mesma forma que as pessoas acham que os ratos devem ser.
Me lembrei dos casos onde pacientes morreram à mingua em hospitais públicos, dos 26 bebês que morreram numa maternidade do Amapá por falta de material hospitalar adequado, dos doentes de tuberculose da favela da Rocinha que não recebem mais os remédios, dos pacientes de São Paulo que levam até 6 meses para receberem quimioterapia contra o câncer, da epidemia de dengue com milhares de doentes pelo Brasil afora, tudo sempre por causa da falta de verbas, que faltam para o socorro dos pacientes mas que não faltam para serem roubadas pelos políticos que administram o sistema de saúde e as verbas que vão para eles e seus cúmplices nomeados para a administração.
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Um rato pode entrar em um hospital e roer alguns lençóis e alguns fichários médicos, mas fará muito menos mal do que os políticos que de forma premeditada roubam verbas, desviam recursos, superfaturam preços de remédios sabendo que estão causando dor e morte para milhares de pacientes que hoje gritam na porta dos hospitais públicos. Os ratos de verdade mesmo pelo menos não tem consciência do mal que causam. Os políticos sabem que fazem esse mal, mas isso é lucrativo para eles. Sabem que estão causando dor e sofrimento e não se importam nem um pouco com isso e vão continuar a fazer isso até que sejam mortos como ratos. Os ratos de verdade mesmo pelo menos não tem consciência do mal que causam. Os políticos sabem que causam todo esse mal, mas isso é traz lucros para eles e assim vai ser enquanto estiverem no poder.
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Pensando em tudo isso me lembrei do corpo do ratinho na ratoeira e imaginei seu desespero, as águas subindo, ele se afogando. Em sua pequena consciência em agonia deve ter pensado que mal teria feito para que algum malvado o matasse assim. Nenhum, ele era inocente, apenas vivia como a Natureza o fez.
Me lembrei também do prédio que é chamado de congresso nacional onde onde uma verdadeira cria de seres humanos que abdicaram de sua humanidade para se tornarem animais do mesmo tipo hoje se alimentam da vitalidade, do trabalho e acima de tudo do sofrimento do povo brasileiro.
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Enquanto os ratos vivem escondidos em bueiros imundos, os políticos vivem em gabinetes iluminados para planejarem seus ataques ao cidadão que paga impostos. Enquanto os ratos vivem no limite do medo e sempre fugindo, os políticos vivem cometendo seus crimes e dispõem de imunidades para não serem alcançados pela Justiça. Enquanto os ratos são pisados e mortos, os políticos vivem pisando no povo brasileiro e no Brasil inteiro e causando só desgraças no dia a dia de um povo sofrido.
Foi assim que descobri que não gosto de matar ratos. Mas políticos eu mataria sem problemas de consciência. No Brasil de hoje, isso já se tornou até uma precaução de higine e segurança pública.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

P63 Tristes trópicos

Já dizia Levi-Strauss...Tristes Trópicos...
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Hoje me lembrei do livro que o francês Claude Levi-Strauss publicou em 1955 descrevendo sua viagem ao Brasil em 1935, onde faz um relato das sociedades indígenas e da sociedade brasileira que ele conheceu na viagem. O livro com o título de "Tristes Trópicos" é um relato de suas impressões. Fiquei pensando que tipo de livro ele escreveria se voltasse ao Brasil hoje e passeasse pelas ruas como qualquer um. Sabendo antes de chegar ao Brasil que 76 anos teriam se passado ele pensaria num título talvez como "Trópicos Modernos". Porém ao andar logo nos primeiros quarteirões é provável que ele desanimasse de vez do novo nome. A par da evolução tecnológica das coisas, Levi-Strauss veria abismado a inacreditável involução do povo brasileiro, que ele encontraria decadente em seus costumes e falta de modos em geral. O tempo passou, as máquinas progrediram, o brasileiro regrediu. E regrediu absurdamente.
Uma das primeiras coisas que deixaria o francês atônito seria a inacreditável quantidade de botecos que ele encontraria e o tipo comum de brasileiro enfiado dentro deles, barrigudo, vestido com um bermudão e um chinelão, copo de cerveja ou cachaça na mão e olhando uma moderna televisão sempre sintonizada num canal de futebol. Existem os que assistem os esportes na televisão, num lazer aprumado, com uma bebida contida. Mas no geral, pinguço por acaso consegue pensar em outra coisa?
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É claro que existe ainda uma parte que rejeita essas coisas e que se veste corretamente, uns sempre arrumados, mesmo humildes e trabalhando duramente com sua calça jeans, camiseta e tênis, limpos e bem descontraídos e outros mais formais compondo um cenário que ainda dá esperanças de que não estejamos na borda da completa regressão social e moral. Outros bem mais à vontade, usam bermudas impecáveis com tênis, meias e camisetas limpos, compondo um traje de verão ou de lazer. Mas já começam a perder para a verdadeira horda de bárbaros que vemos nas ruas, mercados e farmácias. Esses mais aprumados já começam a aparecer não como brasileiros, mas como colonos de uma metrópole, rodeados de aborígenes incultos que veem civilização só nos emblemas de latas de cerveja ou garrafas de cachaça. E olham postes e esquinas da mesma forma que um cachorro ao sentir necessidade de se aliviar. Banheiro? Sanitários? Isso é coisa de civilizados. Não se dão a esse trabalho.
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Deixando de olhar as cenas do boteco, não raramente ele encontraria assim pessoas urinando na rua. Não é difícil de encontrar esses tipos por aí. Em Salvador, na Bahia, já virou parte da paisagem. No Rio de Janeiro a polícia é obrigada a sair pelas ruas multando as pessoas que flagra urinando nas ruas. A FIFA mandou. Quer tudo bonito para a Copa do Mundo. Mais uma surprêsa para Levi-Strauss. Um orgão que cuida de esporte amador manda até no exército dito do Brasil. Adivinha quem mandou todos subirem o morro do Alemão de farda e fuzil na mão?
Levi-Strauss acostumado com as ruas de Paris com gente bem arrumada e decentemente trajada ficaria horrorizado de ver homens feitos, numa boa situação econômica e social andando às pencas na rua só de chinelão e bermuda. O que antes ele teria atribuído à pobreza veria que sim, realmente é um caso de pobreza, mas no caso pobreza de espírito e falta de modos, falta de educação da grossa que eles mesmos tratam de ensinar para seus filhos. O que mais pode levar os brasileiros a andarem assim, maltrapilhos, com a borda da cueca aparecendo no bermudão sem cinto e entrando no supermecado, alguns tratando de levantar o bermudão já caindo e deixando o traseiro exposto? Ao lado deles, suas mulheres, seus filhos e filhas achando isso a coisa mais natural do mundo. É o que os filhos aprendem. Se o pai, modelo de herói para os filhos anda assim pelas ruas e pega inúmeras latas de cerveja nas prateleiras e já sai bebendo na rua, entra no carro e sai dirigindo bebendo, o que mais os filhos podem pensar? Ser desmazelado, maltrapilho e pinguço é o modo certo de sair na rua.
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Talvez parando perto de uma banca para ler as notícias do Brasil moderno e tentar se recompor, Levi-Strauss veria igualmente horrorizado que a última moda agora é o dinheiro da corrupção sendo enfiado nas roupas íntimas. E poderia ver casos e mais casos de corrupção em que os corruptos foram flagrados fazendo exatamente isso, enfiando o dinheiro na cueca.
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Vendo todas essas cenas, em que as roupas íntimas são usadas como roupas de passeio, em que pais e mães dão aos filhos tristes exemplos de falta de cultura, falta de modos e falta de higiene, Levi-Strauss se lembraria das tribos que viu em contato com os brancos aqui no Brasil, que aos poucos foram se aculturando e procurando absorver da sociedade do homem branco o que viam de melhor. Se lembraria de índios que deixaram de usar tangas para começarem a usar calças, camisas e sapatos, se trajando decentemente. Ao mesmo tempo em que veria isso, ele constataria que com modernas máquinas de costura industrial capazes de fabricarem centenas de peças de roupa por hora, os brasileiros estariam, ao lado delas deixando de usarem roupas para regredirem ao estado de nudez dos índios não por uma opção pensada mas sim por absoluto desmazelo. E com as mais modernas instalações sanitárias hoje disponíveis em qualquer casa, ainda por cima estariam os brasileiros já acostumados a fazerem necessidades nas ruas porque acham divertido. Levi-Strauss se perguntaria se esse seria mesmo o Brasil moderno. Não teria errado de país em sua viagem?
Aprumados e bem compostos na paisagem estariam os cachorros que ele veria pelas ruas, que ao menos em sua natureza animal estariam mais educados e mais apresentáveis do que seus donos que se acreditam superiores a eles. Alguns desses bem postos animais as pessoas chutam na confusão de uma situação em que se confrontam com pontapés e mordidas, infelizmente momentâneamente cegos pelo ânimos esquentados de situações insólitas.
Assim Levi-Strauss encerraria sua melancólica viagem de retorno ao país que conheceu há tanto tempo. Ao retornar para seu recanto, quando lhe perguntassem como tinha sido a viagem, talvez por zelo piedoso pelos brasileiros ele diria que foi apenas um passeio em que viu coisas interessantes a relatar em seu novo livro.
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O nome do novo livro? "Tristes Trópicos Ainda".

sábado, 12 de fevereiro de 2011

P62 Agora todo mundo corre

Se um pontapé faz isso, imagine um tiro...
Mais um dia em que vou para a casa da minha mãe, vazia desde sua morte. Tomo conta dela há tempos. Ainda não sei, mas vou chutar um amigo que ainda nem conheço. E há tempos tento controlar os ânimos com os moleques de rua. Mal-educados, relaxados e sujos como os pais, sempre na calçada maquinando o que não presta. Já troquei várias vidraças da janela. O divertimento desses pequenos animais? Chutar uma bola de futebol na janela quando estou longe. Quando chego como em outras vezes já aconteceu e falo com eles, mentem de forma descarada, crentes de que não foram vistos. E além disso, no Brasil, o que pode ser feito com crianças e adolescentes? Nada. O ECA ou a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente lhes permite todas as patifarias, crimes e atentados contra as pessoas sempre com a hipocrisia de "proteger os menores" ou como todos sabemos, os famosos "de menor". Mas pelo estado de raiva que me toma conta, já vi que hoje vai ser diferente. Sempre acreditei que ECA está mais para Escola do Crime para Adolescentes isso sim.
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Vindo pela rua vejo de novo os pequenos vagabundos chutando a bola, até que consigo devagar chegar a meio quarteirão de distância quando eles me veem. Os dois maiores já espertos na vagabundagem saem pelo quarteirão acima e largam o menorzinho com a bola enroscada entre a sargeta e uma laje de cimento. O pequeno, já escolado na mentira tenta me dizer que "...está vendo a bola aqui, eu não estava chutando a bola...". Nem eu acreditei que tivesse voz de tenor assim para lhe berrar tão alto todos os palavrões possíveis. Mereceu, pouco me interessa o tamanho ou idade, já é um vagabundo com esse tamanho.
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Pareço agora um covarde. E se eu estivesse de frente com dois marmanjos? Mas continuo subindo a rua. E gritando todos os palavrões e piores adjetivos dirigidos aos dois sem-vergonhas que se encostaram num portão. Os vizinhos começam a sair porta afora para ver o que está acontecendo. Ótimo, é isso mesmo que quero. Dobro a esquina e vejo os dois vagabundos um pouco mais crescidos pondo em prática a primeira tática dos "de menor" malandros: se encostarem no portão de casa e fazerem de conta que não é com eles.

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Ora, parece que não está dando certo, eles olham e o sujeito continua subindo a rua, gritando e o que é pior, está indo para cima deles. O outro menorzinho já foi para sua casa que nem sei onde é. Melhor dizendo, esconderijo. Os "de menor" usam outra tática segura nesses casos e entram portão adentro. Pronto. Verdadeira proteção que nem uma embaixada oferece. Do portão para cá nem a polícia entra, estamos a salvo pensam. Continuo chegando e gritando, vizinhos todos na rua. Já imagino a polícia chegando e me prendendo e estou pouco ligando. Depois volto aqui e jogo um tijolo na casa desse desgraçado. O casal de idosos que me havia dito não ter mais paz com esses moleques me olha com um pequeno sorriso vendo o que vai acontecer. E acontece.
Vendo o portão fechado, dou-lhe um pontapé com toda a raiva que sinto. Ora essa, é assim que os ladrões arrombam casas. O portão que parecia firme se abre e bate de lado. O encaixe da fechadura cai grudado em um pedaço de tijolo e cimento. Os "de menor" me olham de olhos arregalados e entro gritando para eles todos os palavrões que já havia gritado na rua. Os três cachorros, defendendo sua casa avançam e um deles me crava os dentes na perna. Dou-lhe um pontapé e ele sai de lado. Sem saber chutei um amigo, o único sujeito decente daquela casa. Os palavrões continuam. Impublicáveis. Os mais suaves "...filhos de vagabundos...", "...agora todo mundo corre..." e por aí foi enquanto os "de menor" sumiam porta adentro e olha só, aparecem dois marmanjos. Pronto, eu sou menor que eles, é certo, antes da polícia chegar vou levar murros e pontapés e ser jogado na rua, miseravelmente quebrado. Não estou nem aí, depois que tirar a última bandagem volto aqui e cobro geral.
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Como já é habitual nos dias de hoje, os dois fazem parte da medonha figura em que tem se tornado o brasileiro típico. Chinelão, bermuda e um barrigão que completa a aparência de desmazelo e relaxo. A discussão começa, palavras feias de cada lado, mas ora essa, um deles me olha de alto a baixo de cara feia, põe as mãos na cintura e depois vai para dentro da casa. Acho que vai pegar uma arma, dane-se, estou pouco ligando. Continuo discutindo com o outro que também me olha de alto a baixo e me diz uma frase que me deixa desnorteado. Terei invadido a casa errada? Depois de arrebentar seu portão, gritar todos os palavrões a quem julgo seu filho, depois de todas essas cenas quando ele deveria avançar para cima de mim aos murros, ele me diz que:
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- Você não pode invadir o meu quintal e chutar o meu cachorro.
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Deixando claro a ele que estava alí por causa da irresponsabilidade e vagabundagem do seu filho e que as consequências seriam sempre essas se ele aprontasse bagunça novamente, trocamos mais umas palavras nada amigáveis e saio, com ele me dizendo que vai ver isso com o filho dele. Então era filho mesmo, mas ele se mostrou mais preocupado com o cachorro. Que filho mais reles. Seja lá como for, os dois pequenos meliantes já seguem os pais, bermudão e chinelos imundos nos pés. O sujeito que havia entrado na casa sai sem arma nenhuma. Apuro os ouvidos e não escuto a sirene do carro de polícia, então não chamaram ninguém.
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Descendo a rua, me lembro dos botecos onde tipos assim são a presença contínua, habitual, retrato desesperador do povo decaído em que tem se tornado o brasileiro destes dias. Sempre desmazelado e relaxado. Com esse exemplo que tipos de filhos esperam criar? Se é que criam. Os filhos olham para seus pais assim e pensam que se os pais, exemplo maior, andam pelas ruas seminús, incapazes de colocarem sapatos, uma roupa decente, de se mostrarem higiênicos, asseados, então o certo é isso, andar na rua como o papai. Como decaímos com o regime dito de "democracia e cidadania". O negócio é sentar o pé ou bala se for preciso. Desci a rua pensando que se um pontapé faz isso, o que fará um tiro então?

Na rua os vizinhos em praticamente todas as casas, olhando tudo. Acho é pouco, quero mais que o sujeito morra de vergonha. O casal de velhos ainda apreciava a coisa toda. E eu pensava como é que dois sujeitos maiores do que eu não me moeram de pancadas? Eu devia estar mesmo com uma cara de demônio. Sinto a perna doer e aí vejo na perna esquerda o rasgão e percebo uma pequena mancha de sangue. A dentada do cachorro, único amigo e figura decente e aprumada alí naquela casa, que coisa. No calor da situação não nos encontramos de forma amigável. Me viro para pegar a chave e vejo no bolso da perna direita o volume do molho de chaves junto com o aparelho que toca MP3. Só pode ser isso.
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Olho novamente e vejo que o volume no bolso parecia de forma convincente uma pequena pistola automática, as chaves parecendo uma coronha e o tocador de MP3 o cano. Não consigo imaginar outra coisa. Me lembro do outro homem me olhando de alto a baixo e ao invés de avançar para cima de mim, virou-se e entrou na casa. Terá sido por isto? Me lembro da olhada do outro também e a discussão que se seguiu depois e ele preocupado em defender o cachorro.
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Tudo indica que foi isso. Chega um sujeito chutando o portão, gritando coisas horríveis e os dois maiores do que eu saem e ficam só na saída e numa pequena discussão. Olho de novo. Parece mesmo o contorno de uma arma. É isso aí. Você trata certas pessoas com decência e dão risada de você. Dizem para você se danar. Aí você mostra que está disposto a cometer atos de violência extrema e o que fazem? São cuidadosas e dizem que isso não vai acontecer de novo. Sim, a violência funciona.
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Deixo a casa da minha mãe arrumada e sei que infelizmente ainda terei problemas. Não vou viver em guerra com o mundo, mas de vez em quando vou aprontar com ele. Em casa, depois de passar um antibiótico na perna, me ponho a rememorar tudo. Depois durmo o sono dos anjos.
Ainda por cima a justa violência faz bem ao espírito.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

P61 Chutei um amigo

Depois a gente se desculpa...
Com essa história do amigo chutado dou sequência ao texto anterior que se encadeia com ele e com os próximos, porque para comparar e atribuir valores às coisas precisamos, que surrada lógica, de coisas. E muitas vezes para fazer isso com seres humanos, precisamos até de animais. Que situação. Mas como é que se chuta um amigo? Simples, não o reconhecendo à primeira vista numa situação onde decididamente você percebeu que a violência é a única saída. E o mais interessante é que ela funciona. Dizem que ela se volta contra a gente, mas no placar geral, com os bons recebendo a violência sem terem feito nada para merecê-la, descobri, ou melhor constatei mais uma vez que ela é útil, necessária, tem efeitos e principalmente, faz bem para o estado de espírito. Você é violento quando é necessário e volta para casa em paz, certo de ter feito o que era preciso.
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Você é educado na maioria das ocasiões, resolve tudo sempre que possível por bem. Está tudo muito bem assim. Na maioria das vezes em que não é possível, o dito cidadão de bem resigna-se frente aos patifes e acredita que passar raiva em casa relembrando frases pacifistas é a mais nobre das virtudes. Engana-se quem pensa assim. Você não vai viver em guerra com o mundo, mas que a violência dá bons resultados em muitos casos, dá sim. Tem vez que dá errado mas e daí? Quantos cidadãos já não levaram a pior exatamente porque acharam um dever sagrado serem tão pacíficos quanto o próprio Ghandi, que por sinal morreu com três tiros sem reagir? E ia reagir de que jeito se ele, por fé, só usava uma bengalinha e uma túnica branca?
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Existe uma grande diferença entre quem não reage a uma agressão tendo condições de exercer a violência porque procura dar mais uma chance ao diálogo e entre quem não reage a qualquer violência que venha a sofrer porque simplesmente se colocou na posição de não poder reagir e renunciou a todos os meios para isso. Mais pacifista é quem tem condições de revidar a violência sofrida e não o faz porque percebe que ali cabe mais uma chance para o entendimento. E se decidir revidar, muito bem, está certo. É muito humano.
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Há uma violência que você sofre que é uma agressão descabida, injusta. E há uma violência que é exercida em resposta contra esse agressor que é uma justa retaliação, um ato de violência que machuca física ou moralmente o agressor e mostra a ele que sim, existem consequências para seus desatinos, se ele estava tranquilo pensando que nada lhe aconteceria. Mais do que tranquilos, a maioria dos agressores que agem assim são insolentes.
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E foi assim, no revide de uma série de aborrecimentos que acabei chutando um amigo, que ora essa, no seu devido papel de guardião e com uma decidida mordida, me abriu um rasgão na calça e um furo na perna com um dente afiado. No calor da situação, levou um chute. Me pego arrependido de ter chutado, tal a confusão da situação, o único amigo do lugar em que entrei, também depois de um bem aplicado pontapé na porta.
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Mas as coisas são assim na vida. Nem eu poderia ter de imediato reconhecido o amigo, nem ele me vendo naquelas condições poderia me ter reconhecido de igual forma. Espero que um dia possamos nos encontrar em outra situação. E foi assim que um amigo canino, da raça que em sua essência e comportamento tem se mostrado nestes tempos melhor do que a maioria dos seres da raça dos humanos, que se pretendem superiores a eles, foi, creio eu, para um canto curtir suas dores, enquanto eu aqui em casa passava antibiótico no furo da perna e olhava o rasgão na calça.
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De qualquer forma, louvável sua atitude e coragem de guardião de um local que ele julga habitado por seres decentes. Pobre animal. Soubesse ele das vilezas que guarda e certamente teria sido meu aliado, pondo seus dentes junto do meu pontapé no castigo dos malfeitores.
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Sim, a violência funciona e faz bem para a paz de espírito quando meditamos sobre tudo depois.
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A lamentar apenas ter chutado um amigo por total engano, ao qual estamos sujeitos nas ocorrências da vida.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

P60 Um pequeno animal

Na sexta feira, dia 4, encaminhei-me mais uma vez para a casa da minha mãe, da qual venho cuidando até que saia o inventário. Toda vez que vou lá, vou apreensivo. Terei mais um vidro quebrado na janela? Infelizmente o Brasil se tornou um país de crianças mal-educadas, ignorantes de uma postura moral, de bons costumes e até mesmo de asseio. É a triste verdade dos dias de hoje. Os maior incentivo disso vem dos pais, igualmente relaxados e das leis feitas para propiciar o rebaixamento moral dos famosos menores de idade. Os pais por sua vez, já chegaram na idade adulta assim rebaixados. É verdade que nem todos são assim, mas os bons já perdem e em muito para os animalizados. Com as cenas que se seguiram ao encontrar mais uma vidraça quebrada e seguindo e arrombando o portão da casa dos responsáveis e depois de discutir com eles, voltei certo de uma coisa: a violência funciona, já que não temos mais leis decenter, crianças ou pais pela frente, mas sim seres animalescos.
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Nesse meio de tempo, uma amiga leitora da Bahia deixava um comentário no texto O Ressuscitado e com tudo o que aconteceu, pensei que uma exposição sobre o que vivemos hoje em dia é válida. Uma exposição que mostra a constatação de que, sim, a violência funciona, já que estamos entregues a uma sociedade que se tornou inculta, suja e afeita a passar horas sentada na sarjeta, maquinando o que não presta. De forma não muito diferente, apenas em nível judiciário mais alto, nossa classe política é a responsável por ter contaminado os cidadãos com toda a sua imundície moral e física que habitualmente mostra quando aparece em público.
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Poucos dias antes, um ratinho havia morrido na ratoeira que coloquei perto do bueiro. Com a chuva, as águas subiram e ele afogou-se. Lamentei encontrá-lo assim. Me acalmando aqui em casa, fui encadeando as idéias, para colocar tudo em texto. Certos acontecimentos da vida, temos que aproveitar para fazer uma análise da nossa sociedade. A constatação pode ser desanimadora.
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Texto originalmente publicado em 16.05.08 no Bilogue de Textos, Idéias e Imagens
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Um pequeno animal
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De quando os animais são mais humanos do que os humanos...

Enterrei no dia 23 do mês passado uma pequena cachorrinha que apareceu doente no portão da minha casa. Numa noite, quase caindo, se deitou do lado de fora e eu com pena dela passei a dar-lhe água e ração. Como animal abandonado tinha medo de tudo, demorou até ter confiança de entrar no quintal. Após algum tempo, vendo que não seria maltratada aquietou-se num canto, onde fiz uma casinha para ela.
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Coberta de feridas, tive que tratá-la e pude perceber que aos poucos, na medida em que seu corpo se restabelecia, ela de forma surpreendente tomava conta da casa que a acolhera. Melhorando a cada dia, ela latia e cada vez mais alto, a qualquer estranho que passasse pela frente da casa. No quintal dos fundos também mantinha vigilância. Me senti gratificado num dia em que a havia banhado e quando fui soltá-la da corrente, ao me abaixar ela me estendeu a patinha. Podia ver seu estado de ânimo, sua alegria, sua confiança. O rabinho abanando e no ar a patinha estendida. Desde esse dia, toda tarde quando eu voltava, ela corria até a grade do portão e me estendia a patinha. Realmente mais civilizada que certos humanos.
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Mas a doença que ela trazia no corpo já a tinha condenado. Ela melhorou muito por coisa de um mês e depois começou a perder a saúde novamente. Ainda assim, mesmo doente, vinha me receber quando eu voltava e mesmo mais fraca latia contra estranhos. Até o dia em que caiu sem forças. Chamei o veterinário e nada mais havia a fazer a não ser abreviar sua agonia. Naquela manhã, deixei-a bem confortável ao sol, para que não sentisse nenhum frio, dei-lhe água para tirar qualquer sede e afaguei sua cabeça com carinho. Consumida pela doença, ela mal podia olhar para mim. O veterinário deu-lhe a injeção de anestésico e em menos de um minuto sua agonia terminava e ela fechava os olhinhos. Fiquei de olhos úmidos ali.
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De tarde peguei seu corpinho, a levei até uma floresta, cavei uma cova e a enterrei. Lembrei-me das vezes em que ela havia defendido a casa que a acolhera, da patinha estendida no ar, da sua confiança em ser bem tratada, de tudo e achei que havia feito certo ao invés de deixar seu corpo para ser recolhido pelo caminhão de lixo. Dei-lhe o funeral mais decente possível que ela como animal abandonado poderia ter.

Enquanto levava seu corpo e preparava a cova, ia me lembrando das notícias do projeto de lei dos deputados que institui o auxílio funeral de 16 mil reais para essa verdadeira quadrilha que hoje toma conta do legislativo no Brasil, das câmaras de vereadores até senadores. Não podia deixar de fazer comparações entre as atitudes daquele pequeno animal e as atitudes desses animais políticos, no mais baixo sentido, que hoje são o tormento dos brasileiros.
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Enquanto abria a cova com a pá, pensei nas esperanças dos brasileiros, enterradas na vala comum da corrupção dessa gente, enquanto colocava o corpinho dela ali me lembrei dos corpos das pessoas mortas e abandonadas em hospitais públicos destruídos pelas fraudes desses políticos e quando cobri a cova, pensei nas promessas que esses políticos corruptos mataram e enterraram.
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Me senti certo de uma coisa. Que aquele pequeno animal merecia aquele funeral, com honras mesmo, pois no pouco tempo em que vivera havia demonstrado valor e coragem que não vejo em nenhum político hoje. Aquela pequena cachorrinha doente, coberta de feridas, ao postar-se vigilante na frente do portão tinha mais nobreza, coragem e presença do que o mais bem vestido dos políticos de hoje. E muito mais caráter, apesar de ser apenas um pequeno animal.

Estava voltando pela estrada e tive a absoluta certeza de que, se por um desses acasos da vida, eu encontrasse ali um desses políticos que criaram o projeto de auxílio-funeral, eu o mataria com um único golpe daquela pá, sem piedade. Nem seria um assassinato, seria uma limpeza necessária.
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Mas não enterraria seu corpo. Eu o deixaria ao largo na estrada para o caminhão de lixo. Mas fiquei certo de uma coisa. Os lixeiros o reconheceriam e não o levariam.

Mesmo o lixo tem uma certa pureza que nossos políticos não tem.