quarta-feira, 1 de setembro de 2010

P46 E agora, a sobremesa...

O morango é amargo, mas a festa continua... Com o natural esquecimento do caso do atropelamento e morte do filho da atriz Cissa Guimarães, atriz da Rede Globo, retorna a classe média e média alta também para as alegres noitadas, onde sabem que façam o que fizerem seus filhinhos, nada vai acontecer, a não ser a impunidade. No máximo em caso de condenação, talvez alguns meses de serviço comunitário ou pagamento de cestas básicas. Já o coitado que tiver sido atropelado ou a coitada que tiver sido violentada, que azar, dirão os vizinhos do condomínio.

A orgia da classe média é essa e existe entre todos um tácito e silencioso acôrdo de que as coisas são assim mesmo. Aliás, seus filhos estudam Direito para isso, para estarem mais cientes do que fazer no caso de acontecer o inesperado meio esperado. Se bem que as possíveis vítimas também sabem disso, também aceitam o acôrdo quando saem fazendo loucuras pelas ruas e bares e se por azar terminarem o dia ou a noite sendo as premiadas do dia ou da noite para serem servidas em forma de bolo, fazer o quê?
Resta às lacrimosas mães cariocas, que já podem fazer companhia às mães da Plaza de Maio na Argentina, mães das vítimas da Junta Militar argentina que sumiu com milhares de pessoas, apelarem para o setor de passeatas do Instituto Sou da Paz. Por uma módica quantia, o movimento, aquele da pombinha da paz, põe um batalhão de gente de camiseta branca nas ruas, com o símbolo da pombinha. Um pombinha, diga-se de passagem, bem mais consciente do que os moradores do Rio de Janeiro, que vendo do alto tanta bala perdida voando para todos os lados, decidiu pousar em algum outro lugar bem mais seguro, ficando somente na camiseta dos passeantes, que volta e meia deitam na fumaça de mais uma bala não tão perdida assim.

Nem tudo estará perdido, porém, se as mães cariocas encontrarem os membros do Sou da Paz trancados dentro de casa e enfiados embaixo da mesa no meio do tiroteio. Podem apelar para o Movimento Viva Rio, outro que vive de denunciar a violência, dando a todos a sensação de que ele chegou no Rio de Janeiro ontem, já que desde a década de 90, tiroteios e fuzilamentos coletivos são rotina na cidade onde pretendem denunciar o que pensam que ninguém sabe. Mais uma vez, por uma módica quantia, organiza-se um desfile de cruzes que são solenemente enterradas na praia, simbolizando o massacre que é perpetrado contra a população. Ou pelos bandidos, que pelo menos estão em seu dia de trabalho ou pelos filhinhos da classe média, que estão voltando de mais uma noite de bebedeiras em altíssima velocidade e atropelando quem encontram pela frente. Terminado o protesto, enquanto os garis retiram as cruzes, vão todos se deitar na praia ou bebericar num bar da moda, que afinal ninguém é de ferro. Só os fuzis que atiram para todos os lados.
E assim continua a vida na cidade maravilhosa, que já tem um refrão entre os traficantes armados que policiam as encostas dos morros :

"Cidade maravilhosa, cheia de tiros mil...
Cidade maravilhosa, munição do meu fuzil..."

Munição paga é claro, com o dinheiro dos deslumbrados filhos da classe média e média alta, que abastecendo as bocas de fumo com reais, dólares e euros ajudam a manter esse tenebroso cenário.

Quanto a essas classes, deve-se notar que classe média é aquela que pensa que é rica, mas está com o cheque especial no vermelho. Classe média alta é aquela que também pensa que é rica, mas apenas ainda não estourou o saldo no banco. E a festa continua. Mas para dar um sono tranquilo ou quase aos pais desses filhos tão estabanados, está aí a polícia da cidade maravilhosa, sempre vigilante no lucro que pode ter com tudo isso, já que a orgia vai longe.
E a orgia moral e jurídica, nua e crua no caso do povo paisano, atinge uma devassidão inacreditável no caso do povo fardado, capaz de fazer o imperador Nero da Roma antiga ficar ruborizado de vergonha. No recente caso do atropelamento do filho da atriz, logo depois de tentar fugir, o atropelador foi parado por policiais que lhe exigiram uma propina. Depois de serem publicamente denunciados pelo pai do atropelante, que perdido por perdido decidiu abrir o jogo para a imprensa, os policiais em suspeição, na primeira entrevista coletiva dada pelos seus oficiais superiores, entre capitães e tenentes, foram elogiados como detentores de fichas de serviço das mais impolutas e honoráveis, até que ao serem desmascarados, foram jogados na cadeia, enquanto que os membros do tribunal militar que antes os elogiavam, agora de dedos em riste prometiam total apuração do caso e severas punições. Como sempre. Até deviam fazer um hino para esses casos.

Até que por esses dias, viu-se que a orgia da tão cantada cidade maravilhosa continuava além dos limites humanamente imagináveis. Depois de servido o prato principal da vez, forçado goela abaixo, veio a sobremesa. E põe sobremesa nisso.

O capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Lauro Moura Catarino, que também é o juiz militar encarregado de julgar os policiais acusados de extorquirem o atropelador do filho da atriz, foi preso na madrugada de sexta-feira, 27 de agosto, enquanto roubava fios telefônicos da companhia telefônica Oi. Junto dele, talvez pensando em montar um próspero negócio de cabos de telefonia, estava outro oficial, Marcelo Queiroz dos Anjos, capitão do Batalhão de Choque.

Depois de tudo isso, de todos esses acontecimentos dia após dia, caso após caso, sem dúvida alguma fica mais coerente o hino da cidade maravilhosa cantado pelos traficantes. Na gigantesca paisagem paradisíaca das belezas criadas pela Natureza, que prende a atenção de qualquer viajante, fica a triste visão de uma massa de pessoas perdidas em orgias sociais das mais impensáveis, impossíveis de serem imaginadas até mesmo por um escritor como Franz Kafka.

E no viver do dia a dia e noite a noite, entre corridas de carros descontrolados e cabos telefônicos cortados, prossegue a música ou melhor, ruídos grotescos dos bailes funk regados a drogas e alí perto, tentando compor uma triste e falsa ordem, a banda da polícia tenta animar o coreto, roído por uma colônia de cupins morais.

Enquanto isso, o garçom se aproxima para servir mais um bolo para a vítima premiada da vez, com morangos com gosto de vinagre e glacê com gosto de fel. É a cidade maravilhosa.

Imagine se não fosse maravilhosa.

Matéria a verificar:
Capitão da PM do Rio é preso roubando cabos telefônicos

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