terça-feira, 17 de agosto de 2010

P45 O banquete da classe média

Muita gente ainda vai ser servida...
Continua ainda, mas já com uma certa expressão de tédio na fala dos apresentadores, a divulgação de algumas notícias sobre o caso do jovem filho de uma atriz da Rede Globo atropelado e morto por outro jovem da dita sociedade da classe média, representativa do que temos de melhor e pior na política e no judiciário do Brasil. Bem, é verdade que a parte melhor é bem pequena e boa parte já emigrou para outros países, mas a vida prossegue.

Essa classe média, uma espécie de papel carbono da classe rica no que se refere às mazelas sociais e jurídicas da nossa nação, persiste no seu caminho suicida, enquanto assiste adequadamente horrorizada às notícias da morte mais recente de mais algum jovem da sua classe, morto pelas mãos de mais outro jovem também da sua classe. No final a impunidade, que é um consenso já institucional entre os papais e mamães dessa classe, faz com que o agressor caminhe tranquilo para casa, enquanto o azarado da vez é pranteado no velório. Fora, na frente da funerária ouvem-se protestos indignados por justiça e a preparação de mais uma passeata pela justiça. Na frente da casa do agressor, o advogado, dependendo do honorário recebido, esbraveja indignadas expressões de defesa do pobre e traumatizado assassino. Afinal não é todo dia que um corpo bate no nosso carro e cai a dezenas de metros de distância. Mas o heróico rapaz ainda telefonou para a ambulância enquanto fugia. O próprio Tribunal de Justiça discutiu o direito de fugir um dia desses.

Já é passado, mas foi marcante como a justiça que temos tratou os criminosos que mataram o menino João Hélio. Três maiores de idade foram presos, mas detalhe, eram da classe bandida e não da classe média. Sem dinheiro para pagar advogados famosos, foram para a cadeia, mas estarão soltos logo. O da classe "de menor" mesmo depois de tentar matar um agente penitenciário e tentar organizar um motim, já está sob proteção das organizações de amparo ao "de menor". Diversas alternativas o assistem, desde a troca de identidade até um subsídio mensal para viver. Quanto aos pais do menino Hélio, abram alas para o "de menor", que vai passando imponente. Para dar uma idéia da visão do que é Justiça independente da idade, na Inglaterra duas crianças de 10 e 11 anos que mataram um bebê foram presos, julgados como adultos e sentenciados a prisão perpétua.
No caso do jovem e do menino, um arrastado até a morte e o outro atropelado e morto, não só a situação deixa evidente esse vício da impunidade que a classe média decidiu cultuar e que com o passar dos anos transformou em lei. Afinal, aos poucos ela conseguiu se infiltrar no judiciário e no legislativo e para lá levou essas deformidades de caráter. Um deputado aqui, um magistrado alí e ano após ano tudo foi se ajeitando. Claro, as leis tem que mudar, os entendimentos jurídicos tem que mudar e acompanhar os tempos. Mudança é uma coisa, perversão é outra. Agora porque será que ela reclama com passeatas? Se bem que a passeata só leva a dois lugares. De um lado a praia, de outro os bares.

Acima de tudo assiste-se a um festival de hipocrisia onde meias verdades, quando não mentiras inteiras são ditas para satisfazer a imprensa, como no caso das declarações dos oficiais da polícia militar carioca, quando o pai do atropelador denunciou a tentativa de extorsão dos policiais que haviam flagrado o atropelamento. Desfiando um verdadeiro rosário de elogios aos dois policiais, o oficial viu-se num beco sem saída quando a história toda veio à tona. Agora estão os dois policiais de molho no presídio das polícia a esperarem duas coisas: a punição, dependendo dos ânimos do tribunal militar ou a saída silenciosa de volta às ruas, quando tudo estiver esquecido. É a classe média, de trajes civis de um lado, de farda do outro e de toga no meio.

Justiça seja feita, a justiça é sagrada, a lei é igual para todos. Mas no meu filho ninguém encosta a mão. Se foi o seu filho que deu azar, problema seu. Fazer o quê? O meu filho não sabia que era o seu. Espero que isso não atrapalhe quando nos encontrarmos na entrada do condomínio. E se eu entrar nessa, quero habeas-corpus também.

Isso é o que sintetiza o pensamento da classe média. Julgamento justo, garantias constitucionais, garantias jurídicas, tudo isso é nome de fantasia para o objetivo principal: impunidade. Desde que o sujeito possa pagar advogados caríssimos. Que o diga Pimenta Neves, assassino confesso da jornalista Sandra Gomide com quem mantinha um caso amoroso, condenado em primeira e segunda instâncias a 19 anos de prisão em regime fechado e que está soltíssimo.
Mas nem tudo está perdido. Uma passeata aqui, outra alí e pelo menos a tarde está salva. Alternativas tentadoras. De um lado um belo mergulho na praia, de outro, a tarde a bebericar em bares da moda e a discutir filósofos e juristas famosos e seus pareceres. E fazer de conta que tudo parece diferente. Na calçada, quem vai indo embora pensa que é melhor ter cuidado na hora de atravessar a rua porque todo mundo bebeu bastante. No estacionamento, quem liga o carro lembra que se acontecer qualquer coisa o advogado já disse que ele terá o direito de não fazer o teste do bafômetro.
Foi o que fiquei imaginando ao mudar de canal no meio do noticiário. Com a imagem cheia de chuviscos ainda ví o pedaço de um documentário que mostrava uma briga de cães, tradicional em alguns países. Com o triste espetáculo dos animais se atacando daquela forma, atiçados pelos seus donos, não pude deixar de fazer uma analogia com a classe média dos dias de hoje. De um lado a hipocrisia e a impunidade como donas, do outro a classe média solta sem coleira. E toca a dar dentada.

Mudei de canal, mas não era o dia de espetáculos alegres. No outro canal, com boa imagem, aparecia uma horda de mortos-vivos de um filme de terror atacando a dentadas mais uma vítima, que é claro, ia virar zumbí também.

Com seu passeio diário de impunidades às custas do sangue dos seus próprios filhos, o comportamento da classe média fica melhor retratado ou numa triste briga de cães se arrebentando a dentadas ou numa cena de fime de terror, com zumbís atacando a vítima, que depois se vê transformada num deles também.

Pela disposição e mentalidade de manter a impunidade e a justiça do faz-de-conta intocáveis por muito tempo, parece que a classe média ainda tem um longo banquete pela frente.

O que ela não gosta muito é quando é servida não pelo garçom, mas como prato pincipal.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

P44 Uma indicação inesperada

Colocando o logotipo do http://www.topblog.com.br/

Hoje ao abrir a caixa de e-mails para ver as novidades, me deparei com uma surpresa : o logotipo de indicação do Topblog.

Há coisa de um mês ao me deparar com o e-mail anterior do site, apaguei-o por confundi-lo com alguma propaganda. Desconhecia o site, que passei a conhecer agora, com uma visita inicial para ficar ciente dos temas que aborda e links a que conduz.

Uma grata surpresa tal indicação. Não aparece no logotipo por quem fui indicado. Mas agradeço a quem o fez.

Ou se a indicação decorre de pesquisa do Topblog na bilogosfera, da mesma forma fico agradecido pela leitura dos textos aqui colocados.

Amanhã, ao final da noite, colocarei um texto sobre a triste festa da classe média, na qual ela desejaria ser a última convidada. Um leitor há algum tempo atrás achou que alguns textos meus ferem sensibilidades. Na verdade até vejo bilogues com palavras bem mais pesadas do que as minhas. Fico imaginando o que pode ser.

Enfim, no Brasil atual, quem gosta de política tem um manancial inesgotável para estudar. Pena que o manancial não seja propriamente de águas límpidas.

Um grande abraço aos leitores e aos indicadores.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

P43 Na forma do crime

Atores e roteirista caíram na real...
Terminou há poucos dias de forma silenciosa o seriado da Rede Globo "Na Forma da Lei" onde de forma imponente e audaz, pouco característica dos atores brasileiros, um grupo de policiais aplicava a "dura" lei brasileira contra os bandidos, que variavam de bandidos comuns a políticos famosos. Em tom de ação e ângulos de filmagem que procuravam lembrar seriados americanos como o famoso "Law and Order" os atores e o roteirista tentaram, talvez, dar uma visão do que pode vir a ser a lei e a ordem no Brasil algum dia, porque nos dias de hoje é totalmente inacreditável. O seriado pecou desde o início por falta de credibilidade, querendo passar a imagem de uma justiça e lei duras no combate ao crime. Enquanto uma das atrizes da mesma emissora lamentava a morte do filho, atropelado por um jovem da classe média que logo apelou para a lei que os protagonistas diziam seguir para se ver livre das consequências do seu ato, ficou claro que o seriado era totalmente desprovido de lógica.

Talvez com indulgência podemos dizer que foi uma tentativa de ver a lei e a justiça aplicadas com o rigor e o respeito que existe em qualquer sociedade que tenha alcançado ao menos uma incipiente civilização judiciária. O espectador depois de ver no noticiário da emissora criminosos ricos e famosos escapando da lei com risos e continuando a frequentar bares e restaurantes sossegados, não poderia mesmo continuar assistindo o seriado. Mudaria de canal como fez para assistir um seriado como o americano "Law and Order" onde os criminosos, sejam eles famosos, juízes, políticos e outros do mesmo tipo são implacavelmente perseguidos, despojados de seus cargos e levados para o presídio depois de um julgamento rápido, totalmente ao contrário do que ocorre no Brasil, onde os criminosos ainda verberam ameaças de processos a quem repare em sua impunidade.

As atrizes e os atores fazem uma boa presença e tentam, pelo menos no imaginário do roteirista, aplicar o que qualquer ser humano de bom senso entende como justiça para proteger a sociedade, mas tem que seguir o que é dado pelo nome do seriado, ou seja, a forma da lei e ainda por cima a brasileira, o que inviabiliza qualquer tentativa de fazer justiça. Luana Piovani como delegada e Ana Paula Arósio como promotora estariam melhor aproveitadas num seriado americano com leis americanas. Nesse foi puro desperdício com elas e com os outros atores, que pelo semblante pareciam mesmo pouco convencidos da veracidade de seus papéis.
A essas duas candidatas a heroínas só restou mesmo aceitarem a total fantasia de seus papéis e assistirem com um suspiro de resignação o desenrolar de mais um episódio do seriado americano "Law and Order" onde os protagonistas tem a seu favor a lei e o judiciário americanos, o que lhes dá munição suficiente para acabar com qualque bandido, onde depois de uma perseguição, os criminosos, sejam eles políticos famosos ou juízes federais, terminam perseguidos e presos.

Igualmente belas e com boa presença na tela, as atrizes americanas do seriado "Law and Order" tem a seu favor um judiciário sério e competente, portanto podem sair para verdadeiras expedições punitivas contra o crime. Os policiais que as acompanham não hesitam em passar algemas em público nos criminosos, sejam eles um bandido perseguido ou mesmo um agora ex-colega pego enfiado em algum crime, que termina despojado do seu distintivo, algemado e encarcerado ou algum político pego num ato de corrupção e que termina na cela ao lado.
Lógico que aí o espectador brasileiro se sente gratificado. Percebe que lei e a ordem naquele momento em que ele está na frente do televisor valem realmente alguma coisa, ao menos em algum país onde um seriado para ser feito segue a lógica de que ao menos precisa ter seriedade para igualmente ser levado a sério. Ainda que órfão de justiça, o telespectador brasileiro se sente amparado ao menos por um roteirista e atores de um país distante que lhe diz que a justiça, aqui ainda um sonho, é sim possível.
Audazes e corajosos, os protagonistas de "Law and Order" perseguem os que quebram a lei com um rigor que é desconhecido no Brasil. Ao menos esse rigor só é conhecido por aqui contra os pobres e os cidadãos comuns. Os juízes americanos sentenciam baseados num judiciário sério, atribuindo a pena sem levar em conta o nível social dos réus no tribunal, pondo abaixo as tentativas de advogados mercenários de conseguirem uma liberdade injusta e carregadas de privilégios. Até mesmo um ex-magistrado pego num crime é visto pelo outro juiz como merecedor da pena mais severa por ter usado o poder da lei para a delinquência. Igualmente o juiz condena qualquer um que tente ocultar provas de forma tão severa quanto o principal acusado.

Feliz, o telespectador brasileiro vê, em certos episódios, os criminosos condenados, sejam eles milionários, juízes ou políticos, de uniforme laranja, respondendo a mais uma chamada dos guardas ao raiar do sol e depois acorrentados, indo trabalhar mais um duro dia em alguma estrada ou rachando pedras.
Exatamente por contarem com essa formidável retaguarda jurídica e legal os policiais de "Law and Order" passam credibilidade, fazem o espectador se emocionar e desligar o televisor com a certeza de que ao menos na América a lei e a ordem são levadas a sério. Exatamente o que ele pensou ao mudar de canal ao perceber a esquálida ficção do seriado brasileiro "Na Forma da Lei". Aliás, a forma da lei no Brasil já diz tudo.
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Depois de ter visto no noticiário mais um atropelador saindo tranquilamente da delegacia para mais uma noitada, depois de liberado pelo delegado, o telespectador sente que a trama do seriado brasileiro definitivamente não é séria. Acompanhando o noticiário ele fica sabendo que o pai do atropelador tentou de forma premeditada apagar todas as provas do crime e isso só lhe rende um bem calculado depoimento na frente do delegado. Logo depois ele fica sabendo de mais um magistrado envolvido em atos de corrupção e que como punição foi aposentado pelo Conselho Nacional de Justiça. Lógico que a ele só resta mudar de canal. Mesmo num episódio de ficção ele vê a seriedade de uma outra estrutura política e judiciária que ele não tem aqui.
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Ao telespctador só resta chegar à triste conclusão de que ao desligar o televisor e deixar de fazer parte daquele momento de bela ficção, ele estará entregue a essa estrutura judiciária e política brasileira, onde o crime predomina, redige as leis e controla o judiciário, poderes que dizem representar o povo. Isso sim é uma ficção e que de bela nada tem.
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Lógicamente não é o povo como entendemos. É o povo que segue o que se diz "na forma da lei".