segunda-feira, 21 de março de 2011

P65 Simplesmente heróis

Uma linhagem de samurais...
Na foto acima vemos um grupo de pilotos kamikazes em 1945. Era comum antes de partirem para as missões de combate contra as forças navais americanas que tirassem fotos, mandadas depois como lembrança para suas famílias. Desses nenhum sobreviveu. Apresentando-se como voluntários frente ao avanço da frota americana no mar do Japão, com sua marinha destruída e sua força aérea reduzida a poucas centenas de aviões e até mesmo com munição racionada, eles aceitaram como última linha de defesa o plano de jogarem seus aviões contra os navios americanos com as bombas sob os aviões armadas e prontas para explodirem.
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O porta aviões americano Yorktown afundou na batalha aeronaval de Midway atingido por um ataque suicida do avião pilotado pelo Tenente Joichi Tomonaga. Já tendo participado do ataque à ilha de Midway, seu avião voltara avariado e ficara só com um tanque em condições de uso. Não teria como voltar da missão de ataque ao porta aviões. Ele decolou para sua última missão sabendo que não retornaria. Com a aproximação da frota americana, quando os kamikazes começaram seus ataques, 81 navios americanos foram atingidos. O resultado era sempre o mesmo, avarias graves ou afundamento.
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Na foto abaixo vemos o momento próximo do impacto de um avião kamikaze japonês contra o cruzador americano Missouri, enquanto a guarnição de artilheiros tenta atingi-lo com suas metralhadoras antiaéreas. Mesmo enfrentando o impacto das balas ele avançou até o fim. Não existem relatos de kamikazes que tenham desertado de sua missão. Sobreviventes existiram pelo fato de terem seus aviões avariados pelo fogo anti-aéreo caindo no mar ou então porque antes de sua partida a guerra terminou. Mas nenhum deles desonrou sua palavra de dar a vida para defender o Japão.
É exatamente essa linha de heróis que ressurge num momento trágico para o povo japonês depois do desastre natural que o atingiu e que provocou a reação nuclear descontrolada dos reatores da usina nuclear de Fukushima. Os bombeiros, pilotos de helicópteros e técnicos da usina que tentam diminuir o vazamento de radiação, todos voluntários, lutam para defender sua nação e seus cidadãos de uma situação ainda pior, o completo derretimento dos reatores e a dispersão de uma radioatividade dezenas de vezes mais forte e letal na atmosfera.
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Mas sabem de uma coisa. Que seus trajes de proteção, para uso em condições normais de trabalho são apenas uma proteção mínima, já que foram projetados apenas para tarefas de inspeção de partes dos reatores com radiação alta, mas sob controle quando a operação é em máxima força mas controlada por compartimentos que isolam a radiação e que ainda assim passa para o exterior. Hoje todo esse sistema de proteção está destruído e eles estão expostos de tal forma que por vezes tem que se afastarem antes que percam os sentidos.
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Sabem portanto que estão entregando suas vidas a uma morte precoce e dolorosa e o que é pior, lenta. Mas se entregam a esse sacrifício pelo amor ao seu país, para salvarem quantas pessoas puderem, enquanto as equipes de resgate na área também são aos poucos contaminadas, mas continuam sua tarefa de busca de sobreviventes e corpos e ao mesmo tempo coordenam a distribuição de víveres aos desabrigados. O código de honra e coragem dos antigos samurais não poderia ter seguidores mais corajosos do que estes.
O último grande ato de sacrifício no melhor estilo samurai foi o do escritor Yukio Mishima, que na adolescência acompanhou a guerra e suas consequências sobre o Japão, viu o reviver de sua nação e tornando-se um polêmico escritor, criou uma organização paramilitar com a missão de defender e reavivar comportamentos tradicionais de honra e decência que ele dizia estarem desaparecendo no Japão da década de 70, que para ele, se experimentava um progresso admirável, também trazia do Ocidente valores condenáveis como o indvidualismo exacerbado, a falta de lealdade e o hábito de viver em desonra, coisa não muito incomum na atitude de grandes corporações que viam apenas o lucro como valor máximo, comportamento que já havia também contaminado a política da época. Invadindo um quartel para exprimir frente aos soldados e à imprensa seu inconformismo com um manifesto apelando para o retorno aos valores de honra, percebeu que fora ignorado. Vendo que havia fracassado em sua missão, retirou-se para a sala do comando e ignorando os apelos dos comandantes que havia aprisionado, praticou o suicídio ritual dos samurais. Preferiu partir para a memória histórica do seu povo com honra do que viver perdido num labirinto de desculpas.
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Hoje vemos semelhantes atos de heroísmo, coragem e sacrifício por parte desse grupo de bombeiros, pilotos e funcionários, que na tentativa de resfriarem os reatores e de religarem a força das instalações semi-destruídas que reparam como podem numa corrida talvez inglória contra os fatos, não desistem de sua missão. Mesmo nos helicópteros, despejando toneladas de água sobre o material radioativo já quase em fusão, os pilotos são obrigados a se afastarem tamanha a dose de radiação que recebem. Da mesma forma os bombeiros que se aproximam dos reatores com os canhões de água sofrem as mesmas consequências. Enquanto isso, técnicos da usina, com seus trajes que dão uma proteção apenas precária contra a radiação se aproximam o máximo possível das instalações, tentando religar equipamentos de resfriamento para diminuírem a emissão radioativa e assim conseguirem tornar possível que o completo isolamento da radiação seja feito.
Hoje não é um combate contra um exército inimigo. A marinha americana que há dezenas de anos se preparava para invadir o Japão, hoje manda com seus navios, suprimentos, remédios e todo tipo de equipamento para ajudar na missão desses heróis.
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Com seus trajes já reconhecidos pelos espectadores do mundo todo, sensibilizados pela situação que se desenrola no Japão, os trabalhadores da usina travam uma guerra contra um inimigo temível. Existe uma grande possibilidade de que percam essa batalha e outros tenham que assumir seus lugares. Talvez mesmo essa guerra seja perdida, mas mesmo assim não desistem.
Já sabendo-se condenados pelas enormes quantidades de radiação que recebem nesse combate diário, continuam com toda sua coragem trabalhando na área da usina, agora um campo de batalha, mostrando não só ao seu povo, mas também aos cidadãos do mundo que existem ainda heróis anônimos, capazes dos mais altos sacrifícios em defesa do seu povo e dos valores mais altos de coragem, lealdade e honra.
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emos aqui no Brasil uma profunda ligação e laços de sentimento e irmandade com o povo japonês, cuja colônia é descendente das levas de milhares de imigrantes que vieram para cá tentando uma vida melhor. Com seu trabalho duro e com sua notável disciplina oriental, ajudaram a moldar e formar um tipo de cultura no Brasil que é de grande valor. Mesmo sensibilizados como qualquer povo do mundo pelo que lá acontece, sentimos com mais intensidade do que os outros estrangeiros o que ainda sucede naquela terra.

Não podemos escolher quando será a nossa morte, mas se um dia estivermos em situação semelhante, deveremos numa prece silenciosa pedir a mesma coragem para um ato de tamanho heroísmo.
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Agora, em prece igualmente silenciosa mas carregada da mais profunda emoção, devemos todos nós elevar nossos pensamentos e uma oração a esses heróis, que com sua coragem e entrega, tornam possível a todos nós que ainda acreditemos no ser humano e em sua capacidade de dar a vida pelo seu país e pelo seu povo, com seus corações repletos dos melhores sentimentos de altruísmo e abnegação.