domingo, 29 de maio de 2011

P70 Uma pequena usina

Tão pequena quanto uma bomba atômica...
Com a recente notícia de que mais um reator da usina nuclear de Fukushima teve sua refrigeração afetada, enquanto que os vazamentos de água radioativa continuam acontecendo para o mar, o Japão e por sequência todas as nações que construíram reatores nucleares, veem enfim, de frente, a inescapável situação de lidarem com uma das forças mais destrutivas do planeta. Na década de 70, com a bilionária febre de construções de usinas nucleares pagas por orçamentos governamentais, que no fundo sustentavam corporações sem clientes particulares para o que haviam criado, essas instalações ficaram de tal forma espalhadas por tantos países com o argumento de que eram absolutamente seguras, que hoje seu fechamento e troca por outra alternativa energética ficou inviável e ao mesmo tempo o desgaste contínuo de suas estruturas mantém seus construtores em contínuo estado de alerta, necessitando de mais verbas governamentais.
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Engenheiros e cientistas dos mais responsáveis alertavam na época para o perigo do que chamavam de loucura nuclear ou seja, a construção em número crescente de usinas nucleares, com a aprovação governamental baseada em relatórios que eles consideravam no mínimo fantasiosos sobre a tão alardeada segurança. Esses cientistas foram marginalizados pelas corporações, por governos e pela mídia da época. Para piorar, muitas usinas foram construídas próximas do mar, pois isso barateava e muito os custos de uma estação de bombeamento e represamento da água do mar para a refrigeração dos reatores. Para que construir tais estações que deixariam a usina a uma distância segura do mar, se era mais lucrativo construí-las a distâncias de, no máximo 200 metros do mar? Contra todas as objeções, eram apresentados estudos nunca comprovados de segurança absoluta. Uma mídia que no fundo queria ser enganada pensando nas verbas publicitárias propagou essas notícias em todos os países.
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Acidentes já aconteceram. Na década de 50, dois grandes acidentes na antiga União Soviética e na Inglaterra serviram de lição, esquecida em meio às pressões das grandes corporações. As mesmas que hoje, como a Tepco do Japão, que construiu a usina de Fukushima de frente para o mar, já à beria da falência, pede socorro ao governo japonês que estima em mais de 200 bilhões de dólares os custos para enfrentar a catástrofe do vazamento nuclear. Aos poucos o governo e a mídia vão deixando a população saber que aquela área do país está praticamente perdida, talvez por quase um século. Este é o balanço do potencial de desastre das usinas nucleares, neste caso de uma só usina nuclear, que como seus construtores asseguravam, era totalmente segura. Tão segura que podia ser construída na beira do mar.
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Texto originalmente publicado no bilogue Cartas no Dia em 06.05.11.

Já aconteceu de verdade antes e depois...
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Filme recomendado

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A Síndrome da China (The China Syndrome, EUA, 1979)
Na longa e inesquecível cronologia dos filmes que retratam certos acontecimentos reais dos nossos tempos, alguns se destacam não só pela marcante interpretação dos atores com o trabalho de roteiristas muito bons. Juntando tudo isso com uma direção competente, temos o que chamamos de clássicos do cinema.
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Apesar de uma produção até simples para os padrões do cinema americano, é assim que podemos descrever "Síndrome da China", um filme que retratou de forma vívida um drama real que já aconteceu bem antes que ele fosse produzido e inacreditavelmente aconteceu na época apenas 12 dias depois do lançamento do filme e no Japão acontece nos dias de hoje enquanto estas linhas são lidas. No tempo em que o leitor vê este texto, na agora antiga usina nuclear de Fukushima no Japão e mais novo jazigo nuclear do mundo, tudo o que o personagem principal deste filme mais temia acontece a cada minuto, com a massa de combustível nuclear aos poucos vazando para o mar.
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Jack Lemmon, um dos artistas mais expressivos de Hollywood interpreta o engenheiro-chefe de operações de uma uma usina nuclear americana, que em determinado dia percebe apavorado que por um erro do painel de instrumentos quase haviam provocado a fusão do reator e pior ainda, percebera com isso um defeito na construção do sistema de resfriamento. Sem ele saber estavam vendo tudo os repórteres de uma emissora de televisão, com a jornalista interpretada por Jane Fonda junto com Michael Douglas como o cinegrafista, que estavam ali para uma reportagem sobre o dia a dia de uma usina e haviam chegado no exato momento do incidente.
Depois de alertar seus superiores e a empresa proprietária da usina sobre os problemas que havia percebido, Jack percebe por parte da empresa a atitude de minimizar o ocorrido e manter as ações da empresa sem problemas no mercado financeiro. Más notícias além disso teriam o efeito de provocar o adiamento da nova usina construída pela empresa e em fase de aprovação pelo governo americano. Pior ainda, ao analisar os dados de segurança entregues na aprovação da usina, ele percebe que os dados haviam sido falsificados.
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Correndo contra o tempo, Jack conta apenas com contatos com a repórter para tentar denunciar o que poderia acontecer e ao voltar para a usina encontra uma operação de teste em força máxima em andamento, o que poderia provocar exatamente o que ele temia, a fusão do núcleo radioativo. Sem alternativas ele invade a sala de controle armado, expulsa todos de lá e tomando o controle da usina, passa a exigir a presença da imprensa para denunciar tudo o que estava acontecendo.
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Fora da sala de controle, a única preocupação dos diretores da empresa é fazer o desligamento externo dos circuitos para neutralizar as ações do engenheiro. Com a entrada da repórter na sala para entrevistar Jack ao vivo, o maior temor dos diretores da empresa já acontecera. Era inevitável a paralisação da nova usina, o fechamento da que estava com problemas e acima de tudo a perda financeira. Em nenhum momento os diretores da empresa levavam em conta que estavam com um núcleo de combústivel nuclear com problemas, arriscando uma catástrofe de proporções colossais. Interessava-lhes apenas preservar os lucros da empresa e é claro, seus lucros pessoais. Uma catástrofe nuclear e milhares de vítimas estavam fora das considerações.
Parece loucura que diretores de uma empresa possam agir assim, com toda sua educação formal, mas foi exatamente o que aconteceu antes do filme. Em 1957 em Windscale na Inglaterra, uma usina para fins militares, somente a insistência de um engenheiro em reforçar os sistemas de isolamento evitou que uma parte do país ficasse inabitável. Um incêndio no núcleo de urânio provocou a desativação da usina. Tudo o que restou da usina permanece em constante monitoramento. Em Kyshtym na antiga União Soviética, também em 1957 a fusão do núcleo provocou centenas de mortes e a usina permanece como um jazigo nuclear.
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Apenas 12 dias depois do lançamento do filme, a usina nuclear de Three Mile Island sofreu um acidente com exposição do núcleo radioativo em quase tudo semelhante aos acontecimentos do filme. Em 1986 o mundo ficou estarrecido com o acidente de Chernobyl, que hoje é um gigantesco jazigo nuclear. Em 2011, depois de um tsunami que provocou milhares de mortos e a destruição das salas de controle da usina de Fukushima no Japão, o núcleo de combústivel nuclear entrou em fissão sem controle, provocando a explosão de um dos reatores que até agora permanecem com sua reação sem controle, com um providencial esquecimento da mídia. A atitude do grupo de dirigentes da empresa foi de minimizar custos e até mesmo racionar a comida dos técnicos que trabalham na contenção do desastre, enquanto faziam apressadas reuniões para tentar acalmar os ânimos no mercado de ações.
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Na época da construção da usina por uma empresa americana, um engenheiro demitiu-se do projeto denunciando o que ele considerava absurdas falhas de segurança no projeto, em especial a usina ser tão próxima do mar numa região sujeita a terremotos como o que aconteceu.

A atitude dos grandes empreiteiros e burocratas governamentais poderia ser apenas ficção mas não é. No mais recente caso de contaminação nuclear, uma catástrofe natural desencadeou outra que já estava engatilhada por tais atitudes, de prezar acima de tudo lucros corporativos e pessoais.
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Nos tensos momentos em que a repórter entrevista o engenheiro dentro da sala de controle, nas coisas que ele consegue dizer até o desfecho final, fica uma clara imagem de como deveriam ser operados esses sistemas, que ao invés disso são submetidos a um lógica de mercado absolutamente insana.

domingo, 15 de maio de 2011

P69 A foto que você não pode ver

Fotos formam opiniões quando são mostradas...ou até mesmo escondidas...
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Não é intenção minha mostrar fotos de guerra como as que seguem abaixo por descaso com os leitores. As fotos são chocantes, mas retratam o que é uma guerra e o trabalho notável de fotógrafos estrangeiros durante a guerra do Vietnã, uma das piores em que os americanos entraram e que foi talvez a última onde os jornalistas puderam trabalhar sem entraves, mostrando ao seu país e ao mundo o que lá acontecia. Foi um dos últimos acontecimentos onde os militares americanos mantiveram a tradição de mostrar o que acontecia, coisa que faziam desde os tempos da guerra civil americana em 1860.
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Na guerra do Iraque, a censura dos militares americanos é visível. Muitas das fotos mostradas nos dias de hoje vem de jornalistas que escapam dessa censura ou mesmo de cidadãos que registram as cenas e as colocam na Internet, de onde vencem qualquer impedimento. Ameaças de morte dos soldados a jornalistas no Iraque já se tornaram coisa comum. Trabalham quando não intimidados, arriscados a não poderem mostrar o que registraram. Que tipo de soldado procura ocultar o registro das coisas que são feitas? Somente os que sabem que estão cometendo atos, que longe dos combates, podem ser vistos como crimes de guerra.
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A morte de Osama Bin Laden recentemente anunciada com grande propaganda pelo mundo afora, traz junto do que alguns jornalistas proclamaram como uma espetacular vitória, uma atitude estranha mas reveladora do que aconteceu. Alegando que a foto de Bin Laden morto só acirraria o ódio dos radicais islâmicos contra os americanos, a Casa Branca mesmo tendo assistido a tudo em áudio e vídeo transmitidos ao vivo e a cores pelos soldados americanos, achou que o melhor a fazer seria ocultar tudo o que foi gravado. Todo o meticuloso registro de imagens e palavras ficou, por enquanto, para sempre oculto, sendo liberadas apenas algumas fotos de parentes de Bin Laden também mortos.
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Nas grandes cidades da Europa e da América, depois de um momento de júbilo onde os cidadãos deram vazão à sua alegria, todos viram-se subitamente envolvidos por um sentimento de medo. Em Nova Iorque muitos americanos passaram a recusar táxis dirigidos por imigrantes paquistaneses ou indianos. Na Inglaterra coisa parecida também acontece dentro do metrô, onde parar perto de um imigrante indiano provoca desconforto. Na Espanha, a mesma coisa dentro de trens. Algo mais além do secular racismo europeu e americano hoje permeia a vida nessas cidades. Um certo receio desceu como uma névoa, com o sentimento silencioso de que afinal pode haver uma vingança mesmo. 80 cadetes paquistaneses já pagaram a conta pela morte do terrorista, mortos por um suicida que entrou no ônibus que os levava e detonou os explosivos que carregava. Na Europa, na América, quem será o "premiado" por isso tudo? Será que pode acontecer mesmo? Não teria sido melhor terem capturado Bin Laden vivo para um julgamento? Porque estão escondendo tudo? É o novo receio que toma conta de todos, com uma névoa de incerteza baixando sobre as grandes capitais do mundo.
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Abaixo seguem fotos famosas das das guerras onde os americanos entraram e a censura ficou de fora.
1965. A revista Life mostra a foto de um prisioneiro do exército americano sendo levado para interrogatório. Geralmente eram entregues aos militares sul-vietnamitas, que além da tortura costumavam executá-los sumariamente. Os leitores do mundo puderam saber de tudo isso.
1967. Um coronel do exército sul-vietnamita executa a queima-roupa um suspeito de ser terrorista, durante combates de rua em Saigon. A foto provocou tal comoção na América que iniciou os protestos da população contra a guerra. O mundo todo viu essa foto.
1968. Homens, mulheres e crianças sul-vietnamitas da aldeia de My Lai executados por soldados americanos, num massacre que marcou o exército americano para sempre. A população dividiu-se completamente, com a maioria exigindo o fim da guerra. Jovens americanos chamados para o serviço militar passaram a fugir para o Canadá.
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Abaixo, fotos da guerra do Iraque, cuja invasão final aconteceu em 2003 e onde a censura entrou junto com as tropas.
Guerra do Iraque, sem data. Soldado americano socorre colega gravemente ferido após combates com os insurgentes iraquianos. Apesar da máquina militar americana ser de uma potência esmagadora, estão longe de terem tornado o Iraque seguro. O grande receio dos censores militares é o aumento do questionamento da guerra.
Prisão de Abu Ghraib no Iraque, sem data. Militar americano tortura prisioneiro iraquiano, atiçando um cão de guarda contra ele. As demais fotos, levadas para fora de forma clandestina deixaram não só o governo como o exército americano em situação insustentável. O mundo todo viu.
Guerra do Iraque, sem data. Embarque dos corpos de soldados americanos mortos no Iraque. Com uma média de 3 mortes por dia, com os atentados e combates tipo guerrilha efetuados pelos insurgente iraquianos, o exército americano não tem como proclamar uma vitória definitiva. Censores militares procuram evitar fotos assim, mas não tem como impedir que os próprios soldados façam as fotos.
Guerra do Iraque, sem data. Criança iraquiana morta após ação das forças americanas é carregada por um morador local. Os censores militares sabem do impacto e questionamentos que fotos assim levantam. Mas o mundo acaba vendo.
Osama Bin Laden, sem data. Em local ignorado, vivo e por vezes aparecendo em vídeos exortando seus seguidores a continuarem com atentados pelo mundo, onde pudessem atingir os americanos e seus aliados. Fotos e vídeos assim o governo americano sempre fez questão de mostrar e difundir da forma mais completa possível. Justificava qualquer guerra.
O quadro negro acima seria a foto de Osama Bin Laden morto em 02 de maio de 2011, em sua casa em Abottabad, no Paquistão. Não faltam informações de data, hora e local, tudo fornecido pelos comunicados do governo americano após terem anunciado ao mundo o feito. Segundo o porta-voz da Casa Branca, as tropas especiais transmitiram ao vivo para o presidente americano e seus assessores toda a ação, do momento da chegada, invasão e morte de Bin Laden, até o momento em que decolaram com o corpo dele. Dos 40 minutos filmados da ação, um só segundo que fosse mostraria a imagem de Osama Bin Laden morto.
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Mas segundo a Casa Branca, a foto teria o efeito de acirrar o ódio dos radicais e seria uma visão chocante para as pessoas do mundo todo. Depois de tudo que o mundo já viu e continua vendo das guerras passadas e da guerra atual, nenhuma outra justificativa poderia ser tão desastrada e tão forçada.
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Porque tendo sido filmada toda a operação, ao verem a foto de Bin Laden morto, jornalistas e o público passariam a exigir a curta sequência dos momentos em que Bin Laden estava para entrar na linha de tiro e de quando foi atingido.
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Alguns jornalistas também iriam querer algumas cenas dos momentos em que os helicópteros militares chegaram e aterrissaram no quintal da casa dele. Apenas para verem como tudo isso, todo esse barulho não despertou a atenção das sentinelas da academia militar próxima da casa de Bin Laden. Helicópteros, tropas de assalto, tudo isso durante 40 minutos e toda uma academia militar dormia como se nada acontecesse. É mesmo intrigante.
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Com a narrativa já pública de que uma das mulheres de Bin Laden teria entrado em sua frente tentando protegê-lo, fica mais do que claro que ele poderia ter sido capturado vivo e levado para julgamento. As revelações que ele poderia fazer sobre seus contatos no Ocidente, bancos que movimentaram seu dinheiro para uso de seus agentes, compras de material bélico com mercadores de armas, movimentações de serviços secretos, tudo isso poderia trazer verdades atordoantes.
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E com todas as possibilidades de tantas revelações, o mesmo soldado supertreinado que o colocou na linha de tiro do seu fuzil, não hesitou em matá-lo.
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Osama Bin Laden, a testemunha mais arrasadora de tudo o que aconteceu desde 11 de setembro de 2001 morreu assim. As tropas especiais que são treinadas para tomarem de assalto o esconderijo de um terrorista e levá-lo preso para interrogatório e julgamento desta vez fizeram outra coisa. Junto com o corpo de Bin Laden, jogaram no fundo do mar todas as verdades que ele conhecia.

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É só examinar a ação como um conjunto de decisões do alto comando militar e político americano e as conclusões e opiniões marcam o que foi decidido com uma cor de suspeita, numa ação que se nota claramente que foi mais uma queima de arquivo do que uma tentativa de prisão.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

P68 O homem das cavernas vence

Por vezes republicações de textos anteriores se adequam a acontecimentos atuais. Em recente ação no Paquistão, tropas especiais dos EUA conseguiram enfim alcançar e executar Osama Bin Laden. Há 10 anos sempre fora do alcance dos seus perseguidores, fica realmente difícil crer que um país como o Paquistão, de maioria islâmica, que tendo atingido a capacidade de fabricação de armas nucleares teve que montar um serviço secreto à altura disto para saber o que se passava dentro e fora de suas fronteiras, tenha sido enganado assim tão facilmente por um terrorista tão conhecido naquela região. Por outro lado, numa vitória tática espetaculosa mas de nenhum ganho real, analisado o acontecimento e seus desdobramentos, a longo prazo em termos estratégicos os americanos saem perdendo. Será para sempre a ação militar que mais comentarão e ao mesmo tempo mais tentarão esconder, tamanha a quantidade de desmentidos, novas versões e ocultamento de fatos. Tivessem eles levado Bin Laden como prisioneiro para um justo e incontestável julgamento nos EUA e até mesmo os islâmicos mais radicais teriam ficado sem argumentos. Mas Bin Laden sabia demais. A aparente vitória americana foi no fundo uma queima de arquivo. Os SEALS, hoje apresentados como super-heróis, já tiveram reveses sérios no Afeganistão, da mesma forma que as tropas especiais SPETNAZ soviéticas quando lá estiveram.
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Os americanos anunciaram ao mundo e a todos os radicais islâmicos que alcançaram e executaram aquele que era considerado pelos núcleos de fanáticos mais radicais o maior exemplo de combatente contra o poder americano. Pior ainda, com as versões dos altos funcionários da Casa Branca em contradição, a liberação para a mídia de vídeos de Bin Laden em que o áudio foi retirado alegando-se razões de segurança e por fim a desastrosa justificativa do governo americano de que a foto de Bin Laden morto traria apenas o ódio desses mesmos fanáticos, como se matar Bin Laden fosse até perdoável por esses radicais e publicar a foto é que os deixaria cheios de ódio. Na história das operações militares poucas vezes surgiu uma justificativa tão desastrada, que mostra apenas que o governo americano, feita a execução, tenta ocultar tudo o que for possível. E de resto confiar no gradativo esquecimento do caso. Enquanto isso todos cantam o hino nacional e depois olham em volta, com medo de tudo.
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Agora é tarde, mas tivessem realmente os americanos sequestrado e levado Bin Laden para ser julgado nos EUA como os israelenses fizeram com o carrasco nazista Adolph Eichmann em 1962, sequestrado na Argentina, levado para Israel e julgado e enforcado, o mundo poderia ter sabido de viva voz por Bin Laden, quem lhe teria sido útil ao perpetrar seus atentados facilitando suas transferências de dinheiro mundo afora, suas compras de material bélico de mercadores de armas e contando ainda com a omissão ou discreta ajuda de governos e serviços secretos em suas movimentações. Aí sim os americanos teriam tido uma vitória tática e estratégica.
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Hoje muita gente pertencente a esses governos e serviços dorme em paz, com suas carreiras e liberdade asseguradas pelo inestimável serviço que lhes foi prestados pelas tropas especiais americanas, que ao invés de manterem viva a maior testemunha de tudo, simplesmente a mataram e com ela jogaram no fundo do mar todas as verdades que ela conhecia.
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Texto publicado originalmente em 13.12.2010 no Oitavo-Dia
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O homem das cavernas vence
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Há séculos sempre atirando...
O máximo possível pouco falada ao mesmo tempo em que suas vítimas são lembradas no mínimo de linhas dos jornais, segue a intervenção militar no Afeganistão, país declarado culpado pelos americanos pelos atentados de 11 de setembro de 2001. Causa um certo desconforto nos EUA e na Europa a guerra para a "construção de um estado democrático" no desconhecido país que aos cidadãos americanos pouco interessa e aos cidadãos europeus menos ainda. Mas nesses tempos em que vemos as primeiras guerras minerais, por assim dizer, disfarçadas com o apelido de "construção da democracia", um barril de petróleo, um metro cúbico de gás e um quilo de urânio valem seu preço em vidas, pelo menos no pensamento dos estrategistas americanos e europeus, coisa que passa despercebida para os milhões de habitantes que desfrutam do confortável nível de vida dos países ocidentais.
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Já com suas reservas próprias à beira do esgotamento e vendo a Rússia com jazidas minerais em que nada nada falta e pior ainda se reerguendo sob as diretrizes ainda presentes de Vladimir Putin, como num espectro da antiga União Soviética, os estrategistas ocidentais tiveram motivos de sobra para ao mesmo tempo em que colocaram bases militares no Afeganistão e Iraque cercando o Irã, fazerem frente a qualquer movimento russo no Oriente Médio, já tendo assim terminado a segunda etapa do plano levado a cabo em 1991, quando deram sinal verde para o Iraque invadir o Kwait para depois terem o pretexto para a chegada em larga escala de suas tropas no Oriente Médio, coroando com êxito o plano que começou com Henry Kissinger colocando tropas americanas em exercícios militares com tropas egípcias na distante década de 1980. Tudo em nome da "boa vontade entre os povos" e contra as pretensões do urso soviético, que depois de um período lambendo as feridas volta como urso russo, mas urso do mesmo jeito.
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Sofisticado e bem educado, equipado com as melhores armas e sustentado por uma rede de satélites que o informam de tudo, assistido com sistemas de transporte por carros blindados e helicópteros e apoio aéreo de aviões de combate, com o corpo protegido por uniformes especiais, o soldado ocidental civilizado está muito à frente dos seus oponentes. Ainda assim não consegue entender porque homens calçados com sapatos comuns ou chinelos de couro, usando uma túnica de beduíno, carregando apenas fuzis AK-47 e antiquados foguetes russos RPG-7, sem transporte e andando quilômetros a fio sob o sol do deserto durante dias e dias ou a noite em temperaturas próximas de zero, ainda está sempre em seus calcanhares, inflingindo danos consideráveis aos que se julgam civilizados.
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Um exemplo disso foi o confronto de uma unidade de 4 soldados de uma divisão de elite americana SEAL em um missão de busca, que cercada por um grupo de guerrilheiros talebans lutou a noite toda com eles matando, segundo seu relato, uns 40, sendo que no final três americanos estavam mortos, o sobrevivente já bem ferido ainda conseguiu se esgueirar por uns 10 quilômetros até chegar o socorro, um helicóptero Chinook com 16 soldados prontos para o combate. Não precisaram esperar muito. Sabendo que o resgate chegaria, os talebans estavam esperando com um foguete RPG-7 que derrubou o helicóptero matando todos os ocupantes. Veículos blindados resgataram o soldado ferido. O custo do lado ocidental foi de 19 soldados mortos, um helicóptero de 20 milhões de dólares derrubado, fora o tratamento para o sobrevivente. Para o lado afegão, alguns fuzis AK-47 perdidos, um foguete RPG-7 muito bem aproveitado, magros auxílios pagos para as famílias dos mortos, fervorosos adeptos da morte em combate, tudo por aproximadamente uns 10 mil dólares e claramente uma vitória contra os ditos civilizados.
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Não custa relembrar que os afegãos receberam generoso financiamento, treinamento e equipamento dos serviços de informação militares americanos quando combatiam contra os russos. A tal ponto aquela guerra se tornou insuportável para eles que os russos viram que apesar de ocuparem todo o território afegão, nunca estavam a salvo das devastadoras investidas por parte dos guerrilheiros afegãos. Foram embora em 1989, depois de 10 anos de perdas e hoje veem pelos noticiários o mesmo acontecendo com as tropas do Ocidente. Claro, os afegãos tem um bom dinheiro para irem às compras de equipamento russo. Fundos dos tempos em que os militares americanos batiam em seus ombros e os chamavam de "amigos" e dinheiro até mesmo da extinta companhia de energia Enrom que pagou vultosas somas aos talebans para que suas pesquisas de jazidas minerais ficassem intocadas foram zelosamente guardados pelos talebans, que mesmo com seu atraso de pensamento, são austeros e ascéticos, enquanto que os ocidentais preferem contar com líderes medrosos e de moral duvidosa, como no atual comando do Afeganistão.
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Alguns analistas ocidentais previam tais tipos de guerras em seus estudos de meados de 1960, quando verificavam que o esgotamento das jazidas de petróleo e minerais estratégicos iria criar sérios obstáculos aos países ricos para manterem sua atividade industrial e o elevado padrão de vida de suas populações, ainda por cima tendo de fazer frente contra a temível União Soviética da época. Hoje com todos os minérios de que precisa para qualquer eventualidade em seu território ou fora dele, refeita depois da queda do império soviético e em franco rearmamento, a Rússia, seguindo as diretrizes de Vladimir Putin não é propriamente o tipo de que os ocidentais possam dar tapinhas nos ombros e chamar de "amiga" como fizeram com os afegãos, que de resto já sabiam que alí não existia amizade nenhuma. Os russos não são ingênuos e nem os afegãos o foram na época. Apenas precisavam do dinheiro, do equipamento e do treinamento que hoje os auxilia na guerra contra quem um dia se disse "amigo". Seria bem melhor se os ditos civilizados tratassem de repensar no âmbito político e militar a forma como se portam no mundo atual. Por mais bem abastecidos que sejam seu arsenal e seus soldados eles dependem de quintais alheios e a continuar esse modo de coexistência nada pacífica, vão terminar sem munição e pior ainda, na terra do homem das cavernas.