domingo, 6 de fevereiro de 2011

P60 Um pequeno animal

Na sexta feira, dia 4, encaminhei-me mais uma vez para a casa da minha mãe, da qual venho cuidando até que saia o inventário. Toda vez que vou lá, vou apreensivo. Terei mais um vidro quebrado na janela? Infelizmente o Brasil se tornou um país de crianças mal-educadas, ignorantes de uma postura moral, de bons costumes e até mesmo de asseio. É a triste verdade dos dias de hoje. Os maior incentivo disso vem dos pais, igualmente relaxados e das leis feitas para propiciar o rebaixamento moral dos famosos menores de idade. Os pais por sua vez, já chegaram na idade adulta assim rebaixados. É verdade que nem todos são assim, mas os bons já perdem e em muito para os animalizados. Com as cenas que se seguiram ao encontrar mais uma vidraça quebrada e seguindo e arrombando o portão da casa dos responsáveis e depois de discutir com eles, voltei certo de uma coisa: a violência funciona, já que não temos mais leis decenter, crianças ou pais pela frente, mas sim seres animalescos.
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Nesse meio de tempo, uma amiga leitora da Bahia deixava um comentário no texto O Ressuscitado e com tudo o que aconteceu, pensei que uma exposição sobre o que vivemos hoje em dia é válida. Uma exposição que mostra a constatação de que, sim, a violência funciona, já que estamos entregues a uma sociedade que se tornou inculta, suja e afeita a passar horas sentada na sarjeta, maquinando o que não presta. De forma não muito diferente, apenas em nível judiciário mais alto, nossa classe política é a responsável por ter contaminado os cidadãos com toda a sua imundície moral e física que habitualmente mostra quando aparece em público.
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Poucos dias antes, um ratinho havia morrido na ratoeira que coloquei perto do bueiro. Com a chuva, as águas subiram e ele afogou-se. Lamentei encontrá-lo assim. Me acalmando aqui em casa, fui encadeando as idéias, para colocar tudo em texto. Certos acontecimentos da vida, temos que aproveitar para fazer uma análise da nossa sociedade. A constatação pode ser desanimadora.
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Texto originalmente publicado em 16.05.08 no Bilogue de Textos, Idéias e Imagens
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Um pequeno animal
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De quando os animais são mais humanos do que os humanos...

Enterrei no dia 23 do mês passado uma pequena cachorrinha que apareceu doente no portão da minha casa. Numa noite, quase caindo, se deitou do lado de fora e eu com pena dela passei a dar-lhe água e ração. Como animal abandonado tinha medo de tudo, demorou até ter confiança de entrar no quintal. Após algum tempo, vendo que não seria maltratada aquietou-se num canto, onde fiz uma casinha para ela.
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Coberta de feridas, tive que tratá-la e pude perceber que aos poucos, na medida em que seu corpo se restabelecia, ela de forma surpreendente tomava conta da casa que a acolhera. Melhorando a cada dia, ela latia e cada vez mais alto, a qualquer estranho que passasse pela frente da casa. No quintal dos fundos também mantinha vigilância. Me senti gratificado num dia em que a havia banhado e quando fui soltá-la da corrente, ao me abaixar ela me estendeu a patinha. Podia ver seu estado de ânimo, sua alegria, sua confiança. O rabinho abanando e no ar a patinha estendida. Desde esse dia, toda tarde quando eu voltava, ela corria até a grade do portão e me estendia a patinha. Realmente mais civilizada que certos humanos.
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Mas a doença que ela trazia no corpo já a tinha condenado. Ela melhorou muito por coisa de um mês e depois começou a perder a saúde novamente. Ainda assim, mesmo doente, vinha me receber quando eu voltava e mesmo mais fraca latia contra estranhos. Até o dia em que caiu sem forças. Chamei o veterinário e nada mais havia a fazer a não ser abreviar sua agonia. Naquela manhã, deixei-a bem confortável ao sol, para que não sentisse nenhum frio, dei-lhe água para tirar qualquer sede e afaguei sua cabeça com carinho. Consumida pela doença, ela mal podia olhar para mim. O veterinário deu-lhe a injeção de anestésico e em menos de um minuto sua agonia terminava e ela fechava os olhinhos. Fiquei de olhos úmidos ali.
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De tarde peguei seu corpinho, a levei até uma floresta, cavei uma cova e a enterrei. Lembrei-me das vezes em que ela havia defendido a casa que a acolhera, da patinha estendida no ar, da sua confiança em ser bem tratada, de tudo e achei que havia feito certo ao invés de deixar seu corpo para ser recolhido pelo caminhão de lixo. Dei-lhe o funeral mais decente possível que ela como animal abandonado poderia ter.

Enquanto levava seu corpo e preparava a cova, ia me lembrando das notícias do projeto de lei dos deputados que institui o auxílio funeral de 16 mil reais para essa verdadeira quadrilha que hoje toma conta do legislativo no Brasil, das câmaras de vereadores até senadores. Não podia deixar de fazer comparações entre as atitudes daquele pequeno animal e as atitudes desses animais políticos, no mais baixo sentido, que hoje são o tormento dos brasileiros.
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Enquanto abria a cova com a pá, pensei nas esperanças dos brasileiros, enterradas na vala comum da corrupção dessa gente, enquanto colocava o corpinho dela ali me lembrei dos corpos das pessoas mortas e abandonadas em hospitais públicos destruídos pelas fraudes desses políticos e quando cobri a cova, pensei nas promessas que esses políticos corruptos mataram e enterraram.
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Me senti certo de uma coisa. Que aquele pequeno animal merecia aquele funeral, com honras mesmo, pois no pouco tempo em que vivera havia demonstrado valor e coragem que não vejo em nenhum político hoje. Aquela pequena cachorrinha doente, coberta de feridas, ao postar-se vigilante na frente do portão tinha mais nobreza, coragem e presença do que o mais bem vestido dos políticos de hoje. E muito mais caráter, apesar de ser apenas um pequeno animal.

Estava voltando pela estrada e tive a absoluta certeza de que, se por um desses acasos da vida, eu encontrasse ali um desses políticos que criaram o projeto de auxílio-funeral, eu o mataria com um único golpe daquela pá, sem piedade. Nem seria um assassinato, seria uma limpeza necessária.
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Mas não enterraria seu corpo. Eu o deixaria ao largo na estrada para o caminhão de lixo. Mas fiquei certo de uma coisa. Os lixeiros o reconheceriam e não o levariam.

Mesmo o lixo tem uma certa pureza que nossos políticos não tem.

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