sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

P63 Tristes trópicos

Já dizia Levi-Strauss...Tristes Trópicos...
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Hoje me lembrei do livro que o francês Claude Levi-Strauss publicou em 1955 descrevendo sua viagem ao Brasil em 1935, onde faz um relato das sociedades indígenas e da sociedade brasileira que ele conheceu na viagem. O livro com o título de "Tristes Trópicos" é um relato de suas impressões. Fiquei pensando que tipo de livro ele escreveria se voltasse ao Brasil hoje e passeasse pelas ruas como qualquer um. Sabendo antes de chegar ao Brasil que 76 anos teriam se passado ele pensaria num título talvez como "Trópicos Modernos". Porém ao andar logo nos primeiros quarteirões é provável que ele desanimasse de vez do novo nome. A par da evolução tecnológica das coisas, Levi-Strauss veria abismado a inacreditável involução do povo brasileiro, que ele encontraria decadente em seus costumes e falta de modos em geral. O tempo passou, as máquinas progrediram, o brasileiro regrediu. E regrediu absurdamente.
Uma das primeiras coisas que deixaria o francês atônito seria a inacreditável quantidade de botecos que ele encontraria e o tipo comum de brasileiro enfiado dentro deles, barrigudo, vestido com um bermudão e um chinelão, copo de cerveja ou cachaça na mão e olhando uma moderna televisão sempre sintonizada num canal de futebol. Existem os que assistem os esportes na televisão, num lazer aprumado, com uma bebida contida. Mas no geral, pinguço por acaso consegue pensar em outra coisa?
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É claro que existe ainda uma parte que rejeita essas coisas e que se veste corretamente, uns sempre arrumados, mesmo humildes e trabalhando duramente com sua calça jeans, camiseta e tênis, limpos e bem descontraídos e outros mais formais compondo um cenário que ainda dá esperanças de que não estejamos na borda da completa regressão social e moral. Outros bem mais à vontade, usam bermudas impecáveis com tênis, meias e camisetas limpos, compondo um traje de verão ou de lazer. Mas já começam a perder para a verdadeira horda de bárbaros que vemos nas ruas, mercados e farmácias. Esses mais aprumados já começam a aparecer não como brasileiros, mas como colonos de uma metrópole, rodeados de aborígenes incultos que veem civilização só nos emblemas de latas de cerveja ou garrafas de cachaça. E olham postes e esquinas da mesma forma que um cachorro ao sentir necessidade de se aliviar. Banheiro? Sanitários? Isso é coisa de civilizados. Não se dão a esse trabalho.
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Deixando de olhar as cenas do boteco, não raramente ele encontraria assim pessoas urinando na rua. Não é difícil de encontrar esses tipos por aí. Em Salvador, na Bahia, já virou parte da paisagem. No Rio de Janeiro a polícia é obrigada a sair pelas ruas multando as pessoas que flagra urinando nas ruas. A FIFA mandou. Quer tudo bonito para a Copa do Mundo. Mais uma surprêsa para Levi-Strauss. Um orgão que cuida de esporte amador manda até no exército dito do Brasil. Adivinha quem mandou todos subirem o morro do Alemão de farda e fuzil na mão?
Levi-Strauss acostumado com as ruas de Paris com gente bem arrumada e decentemente trajada ficaria horrorizado de ver homens feitos, numa boa situação econômica e social andando às pencas na rua só de chinelão e bermuda. O que antes ele teria atribuído à pobreza veria que sim, realmente é um caso de pobreza, mas no caso pobreza de espírito e falta de modos, falta de educação da grossa que eles mesmos tratam de ensinar para seus filhos. O que mais pode levar os brasileiros a andarem assim, maltrapilhos, com a borda da cueca aparecendo no bermudão sem cinto e entrando no supermecado, alguns tratando de levantar o bermudão já caindo e deixando o traseiro exposto? Ao lado deles, suas mulheres, seus filhos e filhas achando isso a coisa mais natural do mundo. É o que os filhos aprendem. Se o pai, modelo de herói para os filhos anda assim pelas ruas e pega inúmeras latas de cerveja nas prateleiras e já sai bebendo na rua, entra no carro e sai dirigindo bebendo, o que mais os filhos podem pensar? Ser desmazelado, maltrapilho e pinguço é o modo certo de sair na rua.
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Talvez parando perto de uma banca para ler as notícias do Brasil moderno e tentar se recompor, Levi-Strauss veria igualmente horrorizado que a última moda agora é o dinheiro da corrupção sendo enfiado nas roupas íntimas. E poderia ver casos e mais casos de corrupção em que os corruptos foram flagrados fazendo exatamente isso, enfiando o dinheiro na cueca.
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Vendo todas essas cenas, em que as roupas íntimas são usadas como roupas de passeio, em que pais e mães dão aos filhos tristes exemplos de falta de cultura, falta de modos e falta de higiene, Levi-Strauss se lembraria das tribos que viu em contato com os brancos aqui no Brasil, que aos poucos foram se aculturando e procurando absorver da sociedade do homem branco o que viam de melhor. Se lembraria de índios que deixaram de usar tangas para começarem a usar calças, camisas e sapatos, se trajando decentemente. Ao mesmo tempo em que veria isso, ele constataria que com modernas máquinas de costura industrial capazes de fabricarem centenas de peças de roupa por hora, os brasileiros estariam, ao lado delas deixando de usarem roupas para regredirem ao estado de nudez dos índios não por uma opção pensada mas sim por absoluto desmazelo. E com as mais modernas instalações sanitárias hoje disponíveis em qualquer casa, ainda por cima estariam os brasileiros já acostumados a fazerem necessidades nas ruas porque acham divertido. Levi-Strauss se perguntaria se esse seria mesmo o Brasil moderno. Não teria errado de país em sua viagem?
Aprumados e bem compostos na paisagem estariam os cachorros que ele veria pelas ruas, que ao menos em sua natureza animal estariam mais educados e mais apresentáveis do que seus donos que se acreditam superiores a eles. Alguns desses bem postos animais as pessoas chutam na confusão de uma situação em que se confrontam com pontapés e mordidas, infelizmente momentâneamente cegos pelo ânimos esquentados de situações insólitas.
Assim Levi-Strauss encerraria sua melancólica viagem de retorno ao país que conheceu há tanto tempo. Ao retornar para seu recanto, quando lhe perguntassem como tinha sido a viagem, talvez por zelo piedoso pelos brasileiros ele diria que foi apenas um passeio em que viu coisas interessantes a relatar em seu novo livro.
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O nome do novo livro? "Tristes Trópicos Ainda".

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