segunda-feira, 25 de julho de 2011

P75 A praça de touros

O touro que espera...
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Com os mais recentes desdobramentos da crise econômica, também a Espanha começa a dar sinais de que dificilmente sairá inteira da praça de touros econômicos onde se enfiou nos últimos anos.
Fazendo uma comparação com as touradas, uma coisa é que a aparente coragem do toureiro é no fundo uma extrema covardia. Dias antes da tourada, o touro é fechado num curral escuro onde fica sem água e sem comida até o dia da tourada. Enquanto isso dão-lhe laxantes e deixam pesos amarrados em suas costas. Quando está bem esgotado e desorientado é assim que é jogado numa arena para enfrentar de súbito um homem que se diz corajoso, saudável, armado e que treinou durante anos esse ataque. Cultores dessa coisa ainda propagandeiam uma suposta coragem, ocultando todo o horror que existe aí. Pior ainda, se o touro começar a apenas ameaçar seu desafiante, o toureiro é socorrido imediatamente por lanceiros a cavalo e vários outros toureiros também armados. Custa crer que ainda tenha admiradores essa atrocidade.
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Ao ser lançada na América Latina a onda de privatizações de empresas estatais largamente incensada em especial por economistas e jornalistas brasileiros sem nenhum compromisso com seu país, a Espanha se aproveitou disso para voltar a este continente novamente, onde sua última presença em séculos passados só trouxe infelicidade pelos genocídios e exploração social que deixou como marca. Mantendo seu costume secular de se aproveitar de outros povos, não poderia deixar de ser diferente quando os espanhóis viram a chance de novamente desembarcarem por aqui, contando com o apoio dos chamados neoliberais do governo FHC, que depois de terem vendido as estatais brasileiras por preço de liquidação, saíram de seus empregos para trabalharem como diretores de bancos de investimentos que passaram a ter participação nas empresas privatizadas. Afinal de graça é que não venderam todo o patrimônio brasileiro. Se alguém pagou alguma coisa, esse foi o povo brasileiro.
Na época em que se liquidavam as estatais de energia elétrica, as condições de venda eram tão favoráveis a especuladores e aproveitadores que um dos dirigentes de um grupo hidrelétrico espanhol declarou abismado para a imprensa que não conseguia entender como o governo brasileiro estava vendendo empresas totalmente pagas e que estavam dando lucro.
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Enquanto isso um casal de jornalistas brasileiros, figura habitual do noticiário da Rede Globo alardeava durante meses, de forma mais enfática, a ineficiência das empresas estatais brasileiras. Durante anos já vinham vendendo a idéia de que entregar tudo aos estrangeiros era a melhor coisa a fazer. Reportagens minuciosas eram feitas mostrando até mesmo torneiras pingando nas estatais. Hoje esse mesmo casal não faz essas reportagens minuciosas investigando a fundo as dezenas de explosões de bueiros de sistemas elétricos no Rio de Janeiro, cuja manutenção seria dever das empresas privadas que compraram a rede elétrica antes estatal. Mas não era para ter melhorado com a administração privada? Isso o Jornal Nacional não fala muito.
No caso dos bancos estaduais, não só no Brasil como também no resto da América Latina, coisa semelhante aconteceu. Durante anos também não só emissoras de televisão como também uma revista semanal da Editora Abril, noticiavam com destaque qualquer problema nesses bancos, coisa que qualquer administração correta acertaria sem problemas, a não ser que ela tivesse a intenção de pôr tudo a perder enquanto jornalistas faziam a propaganda de que vender para estrangeiros seria melhor. Enquanto isso, uma revista de circulação nacional publicava relatos de brasileiros felizes no exterior com os serviços bancários estrangeiros. Quando o banco estatal de São Paulo foi vendido, em questão de meses o dinheiro da venda evaporou-se nas despesas do estado. Pior ainda, hoje o banco Santander, o comprador, acumulou milhares de reclamações nesses anos, trabalhistas e de clientes, sem contar que em 2011 o Ministério Público Federal carioca concluiu que o Grupo Santander havia cobrado 265 milhões de reais em taxas indevidas dos clientes do Brasil. Mas não ia ficar tudo melhor com os estrangeiros? Isso a revista não investiga nem remotamente.
Nas empresas de telefonia, os grandes grupos jornalísticos do Brasil foram aliados incondicionais dos espanhóis. Os grupos da Espanha puderam ir ás compras com tudo muito facilitado por essa parceria. Hoje operando a antiga Telesp, ex estatal de telefonia paulista, entre outras no Brasil, os espanhóis fixaram um domínio por aqui às custas do brasileiros. Claro que reportagens da revista "Veja" se esmeravam em mostrar relatos de brasileiros felizes no exterior com as empresas de telefonia de onde estavam. Mas ficava complicado contar que a Telefonica de España já havia levado multas de milhões de euros no exterior. Depois da privatização, do dia para a noite os telefones começaram a ser vendidos em 48 horas. Milagre?
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Sim, às custas do povo brasileiro que não foi informado de que isso se devia aos altos investimentos feitos pelo governo FHC pouco antes das privatizações. E que a alta de preços pouco antes dessas mesmas privatizações foi imensamente bem vista por possíveis compradores estrangeiros que receberiam as empresas funcionando, com melhoramentos nas instalações e melhor ainda, com os preços cobrados já deixados mais altos pelo governo vendedor. Algum repórter do "Jornal Nacional" ou da revista "Veja" investigou isso? Não. Ia atrapalhar os negócios de telefonia que ambicionavam e de onde foram postos para fora pelos mesmos estrangeiros que ajudaram a entrar aqui.

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Hoje os negócios de telecomunicações das Organizações Globo são praticamente desconhecidos e a MTV da Editora Abril encolheu-se miseravelmente a ponto de ser desconhecida fora da cidade de São Paulo.
E hoje, depois de tudo isso, depois de passarem anos lucrando às custas de um povo explorado e enganado, estão os governantes e empresários espanhóis a baterem na porta das agências de risco internacionais pedindo alguma ajuda, para não terem seu país rebaixado nas notas que graduam os investimentos para melhor ou pior. Já foram rebaixados para pior, pois lidam com gente do mesmo tipo. Enquanto isso, dentro da Espanha sucedem-se as marchas contra o desemprego e a crise no país deles. De novo perderam o que ganharam, depois de terem tido uma triste passagem por aqui, sempre explorando povos enganados ou de alguma forma incapazes de se defenderem.
Assim, o toureiro espanhol subitamente se vê na arena sem capa e sem espada, enquanto que o touro que ele tem pela frente, além de estar em forma e bem disposto, está acostumado a moer o que encontra na arena mas não tem muita pressa. Os amigos que antes o ajudavam de cavalo e lanças em punho agora se voltam contra ele. Sem saída, o toureiro espanhol tem que pedir ajuda para seu povo até se lembrar de que calça de toureiro não tem bolso.
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A platéia de grandes especuladores não está nem um pouco interessada no certo nem no errado, nem no touro e nem no toureiro, mas em sim em quanto vai ganhar. Mas quem se meteu nesse jogo sujo foi ele. Memorável mesmo. Em pouco mais de dez anos depois de retornarem ao continente sul-americano como pretensos reconquistadores, com tudo o que ganharam em negócios obscuros mal conseguem fechar as contas internas e seus amigos de ontem lhes dão as costas hoje. Custa-se a crer que até mesmos seus jornalistas de aluguel os tenham abandonado, mas esses trabalham de acordo com o que ganham.
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Enfim, com touro bem alimentado, a coisa é outra.

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