terça-feira, 11 de janeiro de 2011

P57 Quem roubou a manteiga?

Porque reclamo...
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O artigo de hoje foi publicado originalmente no bilogue "Oitavo-Dia" que é postado em Portugal e onde a cada semana publico um texto. Tendo conhecido o trabalho deles há muito tempo e leitor frequente, acabei convidado a escrever lá, o que faço com gosto mas sempre sobre temas políticos. Escreveria hoje aqui sobre um outro tema político, mas o que postei ontem lá me pareceu apropriado, já que sobre o que vou escrever vai me custar mais uma pesquisa. Mas parece que uma sociedade que reprime pequenos furtos com uma severidade impensável e premia terroristas com a liberdade não tem em definitivo, padrões de comportamento jurídico e político que possam ser chamados de civilizados. Pode-se se fazer de tudo sobre isso, menos elogiar, que me perdoe o leitor que disse que eu só reclamava. E dá para fazer outra coisa? O mínimo a fazer então é manter viva essa indignação pelas palavras e pelos meios que venham a ser possíveis, já que por hoje só podemos escrever.
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Senão vejamos. Somos uma sociedade onde leis implacáveis vigiam o farmacêutico. Se um fiscal flagrar o farmacêutico vendendo tranquilizantes sem receita para um consumidor, além de aplicar uma multa pesadíssima, pode fazer com que ele perca até a farmácia. No entanto, se no mesmo momento em que o fiscal estiver fazendo isso, chegar a polícia que já seguia o fiscal e fazê-lo esvaziar os bolsos e encontrar alí pedras de crack, dependendo da quantidade ele pode dizer com um sorriso que é para seu uso pessoal pois ele é viciado.
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E a polícia, com a maior cara de idiota tem que ir embora, enquanto ele acaba com a vida do farmacêutico e envolve o comprador dos tranquilizantes também num processo. Aliás ele pode até mesmo chamar os policiais de volta para que prendam o farmacêutico, os mesmos policiais que poderiam estar prendendo o fiscal que traz drogas no bolso e que agora pode dar ordens para eles, pela letra da lei. O que é pior? Uso de tranquilizantes por necessidade ou uso de crack financiando o crime organizado?
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A mesma polícia, voltando frustrada para a delegacia pode ser imediatamente parada por um comerciante que pede socorro. Uma mulher acabou de roubar um pote de manteiga em sua loja e a polícia a leva a bofetadas para a prisão onde ela vai ficar presa por alguns meses e isso realmente acontece pelo Brasil afora. Logo depois de prenderem a mulher recebem a tarefa de escoltarem para a detenção em sala de Estado-Maior um magistrado envolvido em crimes, que ficará com todo conforto em uma sala onde será cumprimentado por outros policiais e chamado de "excelência".
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Ora, uma sociedade que se porta dessa forma perdeu todos os seus paramêtros, todas as suas referências de comportamento, de valores morais e de justiça. Tudo é relativo. O farmacêutico vai preso, o fiscal cúmplice de traficantes está livre, a mulher pobre que roubou um pote de manteiga é presa, o magistrado que desvirtuou a justiça fica solto e em outra cidade um jornalista que matou sua namorada e é réu confesso é condenado a 19 anos de prisão e para espanto de todos sai solto no mesmo dia da condenação. Hoje o cidadão brasileiro não pode contar com a polícia, com o judiciário ou com as leis. Tem que contar com a sorte.
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Assim Cesare Battisti, terrorista italiano iria escolher que outro país para se esconder? Só poderia mesmo escolher o Brasil, onde percebeu que teria bons companheiros no meio político e judiciário. Verdade que mesmo nesses meios há os que se opõem a isso, mas o que impera é o relativismo moral. Nem todos, mas a maioria dos magistrados decidida a aplicar uma pena impiedosa a Cesare Battisti, acharia a coisa mais correta se um dos seus pares fosse afastado por ser flagrado envolvido em corrupção e crime de vendas de sentenças. Eu disse afastado e continuando a receber seu salário porque nesse caso um magistrado nem é preso. E depois seria "condenado" à pena de aposentadoria, exatamente porque se envolveu com criminosos. Vendo tudo isso, onde mais Cesare Battisti poderia se dar bem? Só no Brasil mesmo. Ou seja, do momento em que o fiscal da Anvisa abordou o farmacêutico, do momento em que ele foi abordado pela polícia, do momento em que a polícia prendeu uma pobre ladra, do momento em que ela teve que ver o assassino solto após o julgamento e do momento em que ela ainda tem de servir de escolta para um magistrado corrupto, percorremos um caminho absurdo de relativismo moral. Esse relativismo é chamado de lei, código civil, código penal, constituição e vários outros nomes, como convém a um criminoso. Ou criminosa? Bem, tudo é relativo.
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Por aqui, a estória do filme é de verdade... Outro bom filme da década de 90 foi "Os Bons Companheiros" onde Ray Liotta interpretava um gangster em ascensão, cumprindo todas as ordens da Máfia para chegar ao topo. Seu colega vivido por Joe Pesci quase conseguiu uma posição de comando mas morreu executado por ordens dos seus amigos. Robert de Niro, no papel do quase chefe dos amigos dá uma última missão para Ray Liotta, que percebe claramente que nessa missão terminaria morto como seus amigos que sabiam demais e então busca refúgio como testemunha do governo americano, passando a viver protegido com outro nome. Em todo caso ele sabia para onde estava indo para continuar vivo.
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De forma parecida Cesare Battisti fez a mesma coisa. Foragido de seus crimes na Itália e vivendo em Paris, ao perceber que o governo francês iria entregá-lo para a justiça italiana, não teve dúvidas e seguiu o mesmo caminho de muitos bandidos estrangeiros. Foi até o aeroporto e comprou passagens para o Brasil. De qualquer forma a capital do país, Brasília, se tornava assim apenas uma conexão onde poderia, com uma certa dose de risco, contar com a proteção de seus "bons amigos" do governo e da política brasileira. Quem acha que Cesare Battisti fugiu para o Brasil como se fosse a única e desesperadora saída se engana. Experiente em fugas, antes ele pesou cuidadosamente as chances que teria por aqui.
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Cuba que antes era o seguro exílio de muitos terroristas da década de 70 acabou. Está falida e se preparando para o retorno ao capitalismo e venderia de bom grado por alguma franquia de lanchonete americana ou loja de perfumes européia qualquer um que fosse acusado de terrorismo em seu país, mais ainda se tivesse participado de assassinatos como Cesare Battisti. Mas ainda tem passagens para o Brasil, o que com certeza de agora em diante vai constar do manual de qualquer terrorista europeu, se bem que o terrorismo sob o cartaz ideológico ultimamente anda em baixa. Com Cuba falida, a Rússia capitalista e a China no meio termo, foram-se os tempos de embaixadas cheias de amigos. Ideologia hoje não é ler os clássicos do marxismo mas sim as cotações das bolsas de valores do mundo.
Só restou mesmo o guichê das companhias aéreas para comprar passagens para o Brasil, com certeza o lugar mais seguro na busca de um refúgio, dado que antigos terroristas que por aqui praticaram atentados e assassinatos na década de 70, hoje estão no governo e ainda por cima, em cenário absurdamente diferente de países estrangeiros, desfrutam de ricas aposentadorias que eles mesmos se concederam quando ocuparam cargos legislativos. Que outro país qualquer terrorista escolheria para fugir? Só mesmo o Brasil.
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Para maior vergonha da nação brasileira, que vive um governo supostamente progressista mas na verdade amparado por imensa campanha publicitária e mais ainda pelo poder do seu tamanho, população e trabalho, esses sim reais mecanismos que impulsionam seu crescimento, Cesare Battisti é hoje apoiado festivamente por políticos que nenhum compromisso real tem com ele a não ser aparecerem nas fotos dos jornais.
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Pouco se interessam, apesar de toda a estrutura que lhes é concedida pelos seus cargos, em irem até a Itália para apurarem em definitivo o que é verdade e o que não é, visto que quase todos são do mesmo partido do ex-presidente, ao qual foi deixada a triste decisão final pelo tribunal brasileiro que se diz supremo e que agora com o enrosco de volta em suas mãos, parece negociar um "empate" para dar o assunto por finalizado.
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Em todo caso, se tivesse fugido para a Rússia, China ou Cuba apelando para antigos manuais ideológicos, há muito tempo Cesare Battisti já teria sido deportado para a Itália. Só mesmo contando com a ajuda dos bons amigos do Brasil é que hoje posa sorridente para fotografias.

3 comentários:

  1. A despenalização do uso de drogas trazida pela Lei 11.343/06 é absurda e já tive oportunidade de falar sobre isso em algumas postagens (http://direitoeoutrasconversas.blogspot.com/2010/09/comentario-ao-texto-de-alexandre-morais.html e http://direitoeoutrasconversas.blogspot.com/2010/07/as-drogas-devem-ser-liberadas.html).
    A prisão especial de magistrados, advogados e de quem seja portador de diploma de curso superior se ampara em justificativa muito frágil e deve ser extirpada do nosso sistema. Assim as prerrogativas não devem se prestar ao acobertamento de crimes e sim ao bom exercício da função. Aquele que consegue tal destaque social deve ter conduta ilibada e se a tem não precisa de privilégios odiosos e injustificáveis.
    No que tange ao mencionado crime de furto, gostaria de colocar que, em regra, pelo menos aqui no Rio, é concedida liberdade provisória a seu autor, não raro, em sede de plantão, se o agente não tiver maus antecedentes. Uma tese que vem ganhando força nos últimos anos e com a qual não comungo refere-se à aplicação do princípio da insignificância a fim de afastar a responsabilidade penal do agente que praticou delito de furto e outros assimilados. Tolerância zero. Não se pode transigir com criminosos, exceto, é claro, quando presente alguma excludente de ilicitude como legítima defesa e estado de necessário. Nestes casos o fato embora típico não é antijurídico.
    continua

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  2. O mencionado caso do Jornalista que matou a namorada e saiu solto após condenado a 19 anos de prisão, de fato, causa espécie a quem não é do meio jurídico. Contudo, o sistema pátrio permite isso, pois o Réu é presumivelmente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ressalte-se, outrossim, que a sentença não sendo definitiva autoriza a prisão quando se mostrar necessária, ou seja, se presentes os requisitos do artigo 312 do CPP. Penso que, após prolatada a sentença de primeiro grau, e neste sentido comungo com o entendimento de Paulo Rangel, a presunção passa a ser de culpa, já que o Juiz de primeiro grau teve contato direto com as provas produzidas sob o crivo da ampla defesa e do contraditório. Nos EUA o instituto da fiança é amplamente usado e por ser um país capitalista em regra os ricos é que acabam aguardando o julgamento em liberdade, pois conseguem pagar os altos valores estipulados.
    Quanto ao relativismo moral constata-se, deveras, que se apresenta como um câncer no Brasil e tem raízes profundas em nossa cultura, sendo necessárias várias gerações para mudar isto.
    A aposentadoria compulsória mencionada realmente causa grande espanto e penso que deve ser banida do nosso ordenamento. Magistrado corrupto deve ser punido com todo o rigor da lei, devendo as cominações ser bem mais pesadas com vistas à prevenção de crimes praticados por agentes públicos.
    Infelizmente, caro Vellker, as leis são ditadas pelo poder constituído e é decorrente de forças dominantes, por isso não tenho muitas expectativas de que a curto e médio prazo esse cenário favorável aos malfeitores seja modificado.
    Um forte abraço e parabéns pela excelente postagem.
    David Cizino Baracho

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  3. que roubalheira esse pais

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