domingo, 29 de maio de 2011

P70 Uma pequena usina

Tão pequena quanto uma bomba atômica...
Com a recente notícia de que mais um reator da usina nuclear de Fukushima teve sua refrigeração afetada, enquanto que os vazamentos de água radioativa continuam acontecendo para o mar, o Japão e por sequência todas as nações que construíram reatores nucleares, veem enfim, de frente, a inescapável situação de lidarem com uma das forças mais destrutivas do planeta. Na década de 70, com a bilionária febre de construções de usinas nucleares pagas por orçamentos governamentais, que no fundo sustentavam corporações sem clientes particulares para o que haviam criado, essas instalações ficaram de tal forma espalhadas por tantos países com o argumento de que eram absolutamente seguras, que hoje seu fechamento e troca por outra alternativa energética ficou inviável e ao mesmo tempo o desgaste contínuo de suas estruturas mantém seus construtores em contínuo estado de alerta, necessitando de mais verbas governamentais.
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Engenheiros e cientistas dos mais responsáveis alertavam na época para o perigo do que chamavam de loucura nuclear ou seja, a construção em número crescente de usinas nucleares, com a aprovação governamental baseada em relatórios que eles consideravam no mínimo fantasiosos sobre a tão alardeada segurança. Esses cientistas foram marginalizados pelas corporações, por governos e pela mídia da época. Para piorar, muitas usinas foram construídas próximas do mar, pois isso barateava e muito os custos de uma estação de bombeamento e represamento da água do mar para a refrigeração dos reatores. Para que construir tais estações que deixariam a usina a uma distância segura do mar, se era mais lucrativo construí-las a distâncias de, no máximo 200 metros do mar? Contra todas as objeções, eram apresentados estudos nunca comprovados de segurança absoluta. Uma mídia que no fundo queria ser enganada pensando nas verbas publicitárias propagou essas notícias em todos os países.
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Acidentes já aconteceram. Na década de 50, dois grandes acidentes na antiga União Soviética e na Inglaterra serviram de lição, esquecida em meio às pressões das grandes corporações. As mesmas que hoje, como a Tepco do Japão, que construiu a usina de Fukushima de frente para o mar, já à beria da falência, pede socorro ao governo japonês que estima em mais de 200 bilhões de dólares os custos para enfrentar a catástrofe do vazamento nuclear. Aos poucos o governo e a mídia vão deixando a população saber que aquela área do país está praticamente perdida, talvez por quase um século. Este é o balanço do potencial de desastre das usinas nucleares, neste caso de uma só usina nuclear, que como seus construtores asseguravam, era totalmente segura. Tão segura que podia ser construída na beira do mar.
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Texto originalmente publicado no bilogue Cartas no Dia em 06.05.11.

Já aconteceu de verdade antes e depois...
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Filme recomendado

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A Síndrome da China (The China Syndrome, EUA, 1979)
Na longa e inesquecível cronologia dos filmes que retratam certos acontecimentos reais dos nossos tempos, alguns se destacam não só pela marcante interpretação dos atores com o trabalho de roteiristas muito bons. Juntando tudo isso com uma direção competente, temos o que chamamos de clássicos do cinema.
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Apesar de uma produção até simples para os padrões do cinema americano, é assim que podemos descrever "Síndrome da China", um filme que retratou de forma vívida um drama real que já aconteceu bem antes que ele fosse produzido e inacreditavelmente aconteceu na época apenas 12 dias depois do lançamento do filme e no Japão acontece nos dias de hoje enquanto estas linhas são lidas. No tempo em que o leitor vê este texto, na agora antiga usina nuclear de Fukushima no Japão e mais novo jazigo nuclear do mundo, tudo o que o personagem principal deste filme mais temia acontece a cada minuto, com a massa de combustível nuclear aos poucos vazando para o mar.
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Jack Lemmon, um dos artistas mais expressivos de Hollywood interpreta o engenheiro-chefe de operações de uma uma usina nuclear americana, que em determinado dia percebe apavorado que por um erro do painel de instrumentos quase haviam provocado a fusão do reator e pior ainda, percebera com isso um defeito na construção do sistema de resfriamento. Sem ele saber estavam vendo tudo os repórteres de uma emissora de televisão, com a jornalista interpretada por Jane Fonda junto com Michael Douglas como o cinegrafista, que estavam ali para uma reportagem sobre o dia a dia de uma usina e haviam chegado no exato momento do incidente.
Depois de alertar seus superiores e a empresa proprietária da usina sobre os problemas que havia percebido, Jack percebe por parte da empresa a atitude de minimizar o ocorrido e manter as ações da empresa sem problemas no mercado financeiro. Más notícias além disso teriam o efeito de provocar o adiamento da nova usina construída pela empresa e em fase de aprovação pelo governo americano. Pior ainda, ao analisar os dados de segurança entregues na aprovação da usina, ele percebe que os dados haviam sido falsificados.
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Correndo contra o tempo, Jack conta apenas com contatos com a repórter para tentar denunciar o que poderia acontecer e ao voltar para a usina encontra uma operação de teste em força máxima em andamento, o que poderia provocar exatamente o que ele temia, a fusão do núcleo radioativo. Sem alternativas ele invade a sala de controle armado, expulsa todos de lá e tomando o controle da usina, passa a exigir a presença da imprensa para denunciar tudo o que estava acontecendo.
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Fora da sala de controle, a única preocupação dos diretores da empresa é fazer o desligamento externo dos circuitos para neutralizar as ações do engenheiro. Com a entrada da repórter na sala para entrevistar Jack ao vivo, o maior temor dos diretores da empresa já acontecera. Era inevitável a paralisação da nova usina, o fechamento da que estava com problemas e acima de tudo a perda financeira. Em nenhum momento os diretores da empresa levavam em conta que estavam com um núcleo de combústivel nuclear com problemas, arriscando uma catástrofe de proporções colossais. Interessava-lhes apenas preservar os lucros da empresa e é claro, seus lucros pessoais. Uma catástrofe nuclear e milhares de vítimas estavam fora das considerações.
Parece loucura que diretores de uma empresa possam agir assim, com toda sua educação formal, mas foi exatamente o que aconteceu antes do filme. Em 1957 em Windscale na Inglaterra, uma usina para fins militares, somente a insistência de um engenheiro em reforçar os sistemas de isolamento evitou que uma parte do país ficasse inabitável. Um incêndio no núcleo de urânio provocou a desativação da usina. Tudo o que restou da usina permanece em constante monitoramento. Em Kyshtym na antiga União Soviética, também em 1957 a fusão do núcleo provocou centenas de mortes e a usina permanece como um jazigo nuclear.
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Apenas 12 dias depois do lançamento do filme, a usina nuclear de Three Mile Island sofreu um acidente com exposição do núcleo radioativo em quase tudo semelhante aos acontecimentos do filme. Em 1986 o mundo ficou estarrecido com o acidente de Chernobyl, que hoje é um gigantesco jazigo nuclear. Em 2011, depois de um tsunami que provocou milhares de mortos e a destruição das salas de controle da usina de Fukushima no Japão, o núcleo de combústivel nuclear entrou em fissão sem controle, provocando a explosão de um dos reatores que até agora permanecem com sua reação sem controle, com um providencial esquecimento da mídia. A atitude do grupo de dirigentes da empresa foi de minimizar custos e até mesmo racionar a comida dos técnicos que trabalham na contenção do desastre, enquanto faziam apressadas reuniões para tentar acalmar os ânimos no mercado de ações.
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Na época da construção da usina por uma empresa americana, um engenheiro demitiu-se do projeto denunciando o que ele considerava absurdas falhas de segurança no projeto, em especial a usina ser tão próxima do mar numa região sujeita a terremotos como o que aconteceu.

A atitude dos grandes empreiteiros e burocratas governamentais poderia ser apenas ficção mas não é. No mais recente caso de contaminação nuclear, uma catástrofe natural desencadeou outra que já estava engatilhada por tais atitudes, de prezar acima de tudo lucros corporativos e pessoais.
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Nos tensos momentos em que a repórter entrevista o engenheiro dentro da sala de controle, nas coisas que ele consegue dizer até o desfecho final, fica uma clara imagem de como deveriam ser operados esses sistemas, que ao invés disso são submetidos a um lógica de mercado absolutamente insana.

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