segunda-feira, 9 de maio de 2011

P68 O homem das cavernas vence

Por vezes republicações de textos anteriores se adequam a acontecimentos atuais. Em recente ação no Paquistão, tropas especiais dos EUA conseguiram enfim alcançar e executar Osama Bin Laden. Há 10 anos sempre fora do alcance dos seus perseguidores, fica realmente difícil crer que um país como o Paquistão, de maioria islâmica, que tendo atingido a capacidade de fabricação de armas nucleares teve que montar um serviço secreto à altura disto para saber o que se passava dentro e fora de suas fronteiras, tenha sido enganado assim tão facilmente por um terrorista tão conhecido naquela região. Por outro lado, numa vitória tática espetaculosa mas de nenhum ganho real, analisado o acontecimento e seus desdobramentos, a longo prazo em termos estratégicos os americanos saem perdendo. Será para sempre a ação militar que mais comentarão e ao mesmo tempo mais tentarão esconder, tamanha a quantidade de desmentidos, novas versões e ocultamento de fatos. Tivessem eles levado Bin Laden como prisioneiro para um justo e incontestável julgamento nos EUA e até mesmo os islâmicos mais radicais teriam ficado sem argumentos. Mas Bin Laden sabia demais. A aparente vitória americana foi no fundo uma queima de arquivo. Os SEALS, hoje apresentados como super-heróis, já tiveram reveses sérios no Afeganistão, da mesma forma que as tropas especiais SPETNAZ soviéticas quando lá estiveram.
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Os americanos anunciaram ao mundo e a todos os radicais islâmicos que alcançaram e executaram aquele que era considerado pelos núcleos de fanáticos mais radicais o maior exemplo de combatente contra o poder americano. Pior ainda, com as versões dos altos funcionários da Casa Branca em contradição, a liberação para a mídia de vídeos de Bin Laden em que o áudio foi retirado alegando-se razões de segurança e por fim a desastrosa justificativa do governo americano de que a foto de Bin Laden morto traria apenas o ódio desses mesmos fanáticos, como se matar Bin Laden fosse até perdoável por esses radicais e publicar a foto é que os deixaria cheios de ódio. Na história das operações militares poucas vezes surgiu uma justificativa tão desastrada, que mostra apenas que o governo americano, feita a execução, tenta ocultar tudo o que for possível. E de resto confiar no gradativo esquecimento do caso. Enquanto isso todos cantam o hino nacional e depois olham em volta, com medo de tudo.
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Agora é tarde, mas tivessem realmente os americanos sequestrado e levado Bin Laden para ser julgado nos EUA como os israelenses fizeram com o carrasco nazista Adolph Eichmann em 1962, sequestrado na Argentina, levado para Israel e julgado e enforcado, o mundo poderia ter sabido de viva voz por Bin Laden, quem lhe teria sido útil ao perpetrar seus atentados facilitando suas transferências de dinheiro mundo afora, suas compras de material bélico de mercadores de armas e contando ainda com a omissão ou discreta ajuda de governos e serviços secretos em suas movimentações. Aí sim os americanos teriam tido uma vitória tática e estratégica.
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Hoje muita gente pertencente a esses governos e serviços dorme em paz, com suas carreiras e liberdade asseguradas pelo inestimável serviço que lhes foi prestados pelas tropas especiais americanas, que ao invés de manterem viva a maior testemunha de tudo, simplesmente a mataram e com ela jogaram no fundo do mar todas as verdades que ela conhecia.
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Texto publicado originalmente em 13.12.2010 no Oitavo-Dia
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O homem das cavernas vence
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Há séculos sempre atirando...
O máximo possível pouco falada ao mesmo tempo em que suas vítimas são lembradas no mínimo de linhas dos jornais, segue a intervenção militar no Afeganistão, país declarado culpado pelos americanos pelos atentados de 11 de setembro de 2001. Causa um certo desconforto nos EUA e na Europa a guerra para a "construção de um estado democrático" no desconhecido país que aos cidadãos americanos pouco interessa e aos cidadãos europeus menos ainda. Mas nesses tempos em que vemos as primeiras guerras minerais, por assim dizer, disfarçadas com o apelido de "construção da democracia", um barril de petróleo, um metro cúbico de gás e um quilo de urânio valem seu preço em vidas, pelo menos no pensamento dos estrategistas americanos e europeus, coisa que passa despercebida para os milhões de habitantes que desfrutam do confortável nível de vida dos países ocidentais.
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Já com suas reservas próprias à beira do esgotamento e vendo a Rússia com jazidas minerais em que nada nada falta e pior ainda se reerguendo sob as diretrizes ainda presentes de Vladimir Putin, como num espectro da antiga União Soviética, os estrategistas ocidentais tiveram motivos de sobra para ao mesmo tempo em que colocaram bases militares no Afeganistão e Iraque cercando o Irã, fazerem frente a qualquer movimento russo no Oriente Médio, já tendo assim terminado a segunda etapa do plano levado a cabo em 1991, quando deram sinal verde para o Iraque invadir o Kwait para depois terem o pretexto para a chegada em larga escala de suas tropas no Oriente Médio, coroando com êxito o plano que começou com Henry Kissinger colocando tropas americanas em exercícios militares com tropas egípcias na distante década de 1980. Tudo em nome da "boa vontade entre os povos" e contra as pretensões do urso soviético, que depois de um período lambendo as feridas volta como urso russo, mas urso do mesmo jeito.
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Sofisticado e bem educado, equipado com as melhores armas e sustentado por uma rede de satélites que o informam de tudo, assistido com sistemas de transporte por carros blindados e helicópteros e apoio aéreo de aviões de combate, com o corpo protegido por uniformes especiais, o soldado ocidental civilizado está muito à frente dos seus oponentes. Ainda assim não consegue entender porque homens calçados com sapatos comuns ou chinelos de couro, usando uma túnica de beduíno, carregando apenas fuzis AK-47 e antiquados foguetes russos RPG-7, sem transporte e andando quilômetros a fio sob o sol do deserto durante dias e dias ou a noite em temperaturas próximas de zero, ainda está sempre em seus calcanhares, inflingindo danos consideráveis aos que se julgam civilizados.
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Um exemplo disso foi o confronto de uma unidade de 4 soldados de uma divisão de elite americana SEAL em um missão de busca, que cercada por um grupo de guerrilheiros talebans lutou a noite toda com eles matando, segundo seu relato, uns 40, sendo que no final três americanos estavam mortos, o sobrevivente já bem ferido ainda conseguiu se esgueirar por uns 10 quilômetros até chegar o socorro, um helicóptero Chinook com 16 soldados prontos para o combate. Não precisaram esperar muito. Sabendo que o resgate chegaria, os talebans estavam esperando com um foguete RPG-7 que derrubou o helicóptero matando todos os ocupantes. Veículos blindados resgataram o soldado ferido. O custo do lado ocidental foi de 19 soldados mortos, um helicóptero de 20 milhões de dólares derrubado, fora o tratamento para o sobrevivente. Para o lado afegão, alguns fuzis AK-47 perdidos, um foguete RPG-7 muito bem aproveitado, magros auxílios pagos para as famílias dos mortos, fervorosos adeptos da morte em combate, tudo por aproximadamente uns 10 mil dólares e claramente uma vitória contra os ditos civilizados.
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Não custa relembrar que os afegãos receberam generoso financiamento, treinamento e equipamento dos serviços de informação militares americanos quando combatiam contra os russos. A tal ponto aquela guerra se tornou insuportável para eles que os russos viram que apesar de ocuparem todo o território afegão, nunca estavam a salvo das devastadoras investidas por parte dos guerrilheiros afegãos. Foram embora em 1989, depois de 10 anos de perdas e hoje veem pelos noticiários o mesmo acontecendo com as tropas do Ocidente. Claro, os afegãos tem um bom dinheiro para irem às compras de equipamento russo. Fundos dos tempos em que os militares americanos batiam em seus ombros e os chamavam de "amigos" e dinheiro até mesmo da extinta companhia de energia Enrom que pagou vultosas somas aos talebans para que suas pesquisas de jazidas minerais ficassem intocadas foram zelosamente guardados pelos talebans, que mesmo com seu atraso de pensamento, são austeros e ascéticos, enquanto que os ocidentais preferem contar com líderes medrosos e de moral duvidosa, como no atual comando do Afeganistão.
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Alguns analistas ocidentais previam tais tipos de guerras em seus estudos de meados de 1960, quando verificavam que o esgotamento das jazidas de petróleo e minerais estratégicos iria criar sérios obstáculos aos países ricos para manterem sua atividade industrial e o elevado padrão de vida de suas populações, ainda por cima tendo de fazer frente contra a temível União Soviética da época. Hoje com todos os minérios de que precisa para qualquer eventualidade em seu território ou fora dele, refeita depois da queda do império soviético e em franco rearmamento, a Rússia, seguindo as diretrizes de Vladimir Putin não é propriamente o tipo de que os ocidentais possam dar tapinhas nos ombros e chamar de "amiga" como fizeram com os afegãos, que de resto já sabiam que alí não existia amizade nenhuma. Os russos não são ingênuos e nem os afegãos o foram na época. Apenas precisavam do dinheiro, do equipamento e do treinamento que hoje os auxilia na guerra contra quem um dia se disse "amigo". Seria bem melhor se os ditos civilizados tratassem de repensar no âmbito político e militar a forma como se portam no mundo atual. Por mais bem abastecidos que sejam seu arsenal e seus soldados eles dependem de quintais alheios e a continuar esse modo de coexistência nada pacífica, vão terminar sem munição e pior ainda, na terra do homem das cavernas.

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