domingo, 24 de abril de 2011

P67 Egípcios não jogam futebol

Vendo os noticiários sobre a piora da situação na Síria e me lembrando de um texto que publiquei no bilogue "Oitavo-Dia", onde colaborei até seu término recente, achei que ele se encaixa na análise de certos acontecimentos atuais no Brasil.
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Enquanto os árabes experimentam revoltas atrás de revoltas com resultados significativos na deposição de regimes apodrecidos e que começaram com a queda do regime egípcio, o povo brasileiro já se mostra anestesiado bem antes do tempo pela esperta trama que foi a do ex-presidente Lula em conseguir a indicação do Brasil para sede da Copa de 2014 e das Olímpiadas de 2016, provocando urros de uma multidão perdida na ignorância dos imensos e inúteis custos que isso vai causar, com significativo proveito na época, da candidatura de Dilma Roussef, que cooptando ontem e hoje aventureiros e mercadores políticos, endossou plenamente esse absurdo sem sentido num país carente até mesmo de saneamento básico. Ao mesmo tempo os acertos secretos de empreiteiras e governo para a construção do inútil trem-bala ao custo de 50 bilhões de reais andam mais depressa do que o próprio trem. Se Lula trabalhou de um lado, sabe-se lá o quanto empresas estrangeiras trabalharam do outro para esse resultado.

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Parecendo aqui adepto de outro partido, sempre deixo claro que é o sistema político brasileiro atual, como um todo, seja lá qual partido represente é que está totalmente apodrecido. Não temos mais esquerda, direita ou líderes políticos autênticos. Temos apenas aproveitadores e corruptos, que às custas do trabalho e sofrimento de um povo mantido na ignorância, constroem enormes fortunas pessoais e deixam como legado apenas os restos de sua miséria política e moral. Deveríamos parar de jogar futebol um pouco que fosse, para nosso próprio bem.
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Caro amigo João
Sim, de fato não sou muito fã desse excesso de textos de futebol e digo isso sem a intenção de desagradar, mas devemos sim prestar atenção a um modo de pensar que deve ser revisto. Os povos latinos tem se notabilizado por essa atitude de um fascínio hipnótico pelo futebol, uma atitude até de bovina admiração por falsos heróis que nada mais fazem do que chutar uma bola de couro dentro de um trançado de barbante. Uma boa habilidade mecânica, um bom condicionamento físico e só. Esses mortais alçados à condição de deuses tem somente isso. Enquanto isso verdadeiros heróis nas mais diversas atividades que mantém uma comunidade unida, que a fazem progredir como coletividade humana, como nação que se destaca no cenário mundial realmente com algo a dizer e fazer no mundo permanecem ignorados, esquecidos. Pelo menos frente a essa multidão que só enxerga uma bola pulando num gramado. Fico em dúvida sobre o que mais atrai a atenção dessas multidões, se a bola ou o gramado.
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E adianta sim exprimir pontos de vista políticos com indignação porque é assim que se agregam os que pensam dessa forma a ponto de influir nos acontecimentos, haja visto os egípcios em seu notável exemplo, que sem nenhum gosto pelo futebol fizeram o que fizeram. O ex-ditador egípcio Hosny Mubarak já deve estar se lamentando ter confiado só na polícia. Se ele pelo menos tivesse pensado em inculcar na mente do seu povo o fanatismo do futebol, sim, estaria a salvo hoje.
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Até mesmo o senso de realizações se dilue no tempo na forma de uma mísera lembrança de glórias que nada mais são do que a repetição incessante de datas de "...quando ganhamos da seleção daquele país...". Que país? "...o mesmo que nos empresta dinheiro e constrói fábricas em nossa terra...". Inverte-se um ditado. Aos "vencedores" as batatas, aos "perdedores" o comando político e econômico de muitas nações. Talvez por isso no meio das torcidas sejam tão abundantes as roupas de palhaço.
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Examinando de um ponto de vista da atividade humana, claro, não só o futebol como os esportes olímpicos são de grande glória, inesquecível mesmo, pelos exemplos que nos mostram, mas de forma alguma devem ser tomados como último e grande apanágio das realizações. Ao que parece aqui no Brasil e vejo também que em Portugal, é assim que o futebol é visto. É um grande erro.
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Como latinos podemos exultar, até mesmo rir de um grupo de americanos que só tem a nos contar como perdem jogo após jogo e podemos mesmo derrotá-los numa partida amigável e ver, que ora essa, são mesmo esforçados mas perderam feio para nós. Terminado o jogo nos despedimos, voltamos para a nossa condição de desempregados, sub-empregados ou futuros emigrantes e ficamos no porto a acenar para o grupo de americanos que embarca no super porta-aviões Carl Vinson. O goleiro é engenheiro nuclear, os zagueiros pilotos dos mais modernos caças de combate, os atacantes que nem sequer ameaçaram o gol controlam a mais moderna sala de armas nucleares. E lá se vão eles, "derrotados", acenando para nós, "vencedores", enquanto amanhã nós tentaremos mais uma vez a fila do consulado americano tentando um visto para emigrar para o país dos "perdedores".
Talvez eu pinte com cores nada agradáveis essa apreciação pelo futebol, mas me parece que de forma um tanto errada, no mínimo condenável, demos atenção demais para isso e geração após geração, pais foram criando uma horda de filhos desmiolados e culturalmente anulados. Vejo isso aqui no Brasil e imagino se não é igual em Portugal. Crianças que voltam da escola e assim que se veem livres do uniforme, se põem na rua a chutar e chutar sem nenhum outro objetivo uma bola velha de couro, numa repetição insana dos seus "heróis". Depois, com um vocabulário mínimo brincam com paus e pedras, sim já regrediram a isso. Em notável contraste, crianças japonesas, coreanas e chinesas também brincam de futebol, mas dão-lhe apenas o valor de um folguedo de momento. Suas brincadeiras favoritas são jogos onde a inteligência é exercitada, os trabalhos como pesquisa nos laboratórios das escolas são valorizados e mesmo desfrutar das belezas da música clássica é coisa que os deixa fascinados. Nós latinos nos acostumamos com berros absurdos em grupo, em sair espancando as pessoas em torcidas organizadas, em viver num torpor alcoólico gritando o nome do time e alguns chamam a isso de paixão. Eu chamo de barbárie.
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O Brasil tem notável marca de incultura e falta de modos, em cenas deploravelmente protagonizadas pelos seus cidadãos, boa parte dessa falta de modos aprendida na histeria coletiva dos estádios. Exatamente por isso, décadas atrás a Argentina se considerava superior aos brasileiros e de fato era mesmo. Hoje o jogador argentino Messi pode vir ao Brasil e ao ser reconhecido num restaurante contar bonitas histórias sobre Maradona na Copa de 1978, quando a Argentina se mostrou uma "potência invencível" até com pretensões hegemônicas sobre a América Latina da época. Mas não vai falar nada da Guerra das Malvinas em 1982, quando a Argentina invadiu as ilhas e a Inglaterra mandou 42 navios de guerra para resolver a situação. As ululantes torcidas argentinas que saíram às ruas gritando como se estivessem dentro de um estádio logo descobriram que seus berros de nada adiantavam contra os aviões Sea Harrier ingleses. Resta saber quantos retratos de Maradona existiam dentro do cruzador argentino General Belgrano, afundado pelo submarino nuclear britânico Conqueror enquanto que o porta-aviões argentino 25 de Mayo ficava ancorado incapaz de enfrentar o poderio nuclear dos ingleses. O porta-aviões terminou desmontado e derretido em estaleiros indianos. Quantos retratos de Maradona existiriam lá dentro? Depois Messi gentilmente pagará a conta com pesos argentinos que foram impressos no Brasil. Sim, este ano o Brasil vai imprimir 50 milhões de cédulas para os argentinos que até isso não sabem mais fazer, mas continuam batendo em bumbos e urrando pelas ruas quando Messi entra em campo. Na vida nacional, um país vendido a multinacionais. Não longe dos estádios, crescem favelas estarrecedoras que não existiam há 40 anos. Que vencedores.
Sobre os russos então podemos falar tanta coisa. Pouco sabem ou pouco ligam para o Dínamo de Moscou. Ligam mesmo é para seu poderio militar, que tendo refeito o mapa do mundo após a 2a. Guerra Mundial, mesmo depois da queda da União Soviética e de um período de fome, voltam a deixar o mundo de respiração presa com Vladimir Putin, que nunca apareceu numa foto dentro de um estádio refazendo suas pretensões de hegemonia na Eurásia. Futebol? Vladimir Putin mal sabe como se chuta uma bola. Sua paixão são tanques e aviões.
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Por fim caro amigo, sem querer ser mal interpretado e muito menos parecer antipático, acho sim que devemos rever certos conceitos de vida, certas idéias de paixão que só tem, na conta final, servido para criar não só multidões, mas nações de desmiolados, incapazes de pensar sobre seu próprio povo, sobre sua própria nação de uma forma diferente que não sejam onze sujeitos chutando uma bola de couro para todos os lados. Alçados à condição de divindades e modelo de vida, são heróis vazios, falsos mesmo. Em Portugal não sei, mas no Brasil, esses falsos deuses, com uma vida pessoal sempre obscura, repleta de histórias policiais, de escândalos e excessos, de envolvimento com bandidos, me parecem tudo, menos heróis. Talvez por isso boa parte do povo brasileiro esteja assim, maltrapilho e ignorante, vestindo-se como um dos seus "heróis", chamado Rei do Roma, que quando não está em público seminú, aparece investigado em fotos onde abraça traficantes. Esse é o modelo de herói? Eu duvido.
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Herói mesmo é um homem como Deng-XiaoPing, que sobrevivendo na China aos expurgos da era de Mao-Tsé-Tung, levou até o fim, quase morrendo por isso, seu plano de uma China moderna e capaz de influir no cenário mundial. Implantando com mão de ferro as diretrizes de educação básica, média e superior e da economia, Deng não viveu o suficiente para ver a China que idealizou e que hoje muda o mapa do mundo. Uma China que ainda tem preservado como museu o clube onde os ingleses colocaram uma placa proibindo a entrada de cães e chineses e foi o mesmo Deng que viu isso que disse a Margareth Tatcher em 1982 que ele preferia ver Hong-Kong arrasada militarmente se não fosse devolvida aos chineses. Ele disse isso para a mesma Margareth Tatcher que naquele ano derrotava a "potência" argentina, mas que vendo o poder nuclear chinês traçou o plano de devolução da ilha para a China. Em 1997, um descendente dos ingleses que haviam comparado os chineses a cachorros arriou a bandeira inglesa do mastro e saiu chorando enquanto a bandeira chinesa subia vitoriosa. Deng-XiaoPing mal sabia que forma tinha uma bola de futebol ou como era jogado esse jogo, coisa de nações menores. E mesmo assim, convenhamos, com tudo o que ele fez pelo seu povo, isso sim foi um gol de placa. Por gente assim, por movimentos coletivos assim, aí sim vale a pena ser fanático. -
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Um comentário:

  1. Vellker, excelente postagem. É bom saber que ainda existem brasileiros conscientes.

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