segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

P94 Os indignados vão almoçar

E agora entendem o que sempre falaram para os outros...
Iniciado no ano passado, o movimento dos indignados na Espanha e um pouco em Portugal e algumas outras cidades da Europa entra enfim num período de recesso. Seus organizadores e alguns intelectuais falam em não perder o caminho, em retorno com novas reivindicações e coisas do tipo. Na verdade o estômago dos ditos indignados ronca e as pernas tremem com o frio europeu e eles já percebem que só uma revolução radical poderá desmontar o monstro econômico que ajudaram a criar nos últimos 20 anos. E uma revolução dessas poria a perder as migalhas que ainda conseguem no mundo que já não os reconhece como cidadãos e sim como cifras. E aí não ficam tão indignados assim, acham até que dá para ir vivendo na indignação. Essa é a triste verdade.
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Assim os indignados também vão almoçar e de quebra emprestam o jornal de algum amigo de movimento para ler e reler os classificados de empregos. Apesar da negra situação econômica pelas paragens européias, cada indignado sortudo que arrume um emprego depois do almoço é um indignado a menos na hora da janta. E Madrid, um dos berços do movimento dos indignados continua com sua vida de sempre.
É uma boa lição da história que os espanhóis e portugueses estejam nessa situação. Lá por 1990, os grandes grupos bancários, de telecomunicações e industriais europeus passaram a vender para os países da América Latina a idéia de que desmontar seu patrimônio estatal era a melhor coisa que poderiam fazer. E seria melhor ainda se vendessem, leiloassem, entregassem de que forma fosse, desde que entregassem, todo o patrimônio e estrutura de telecomunicações, energia e petroquímica que haviam montado em mais de 20 anos, às custas de imensos sacrifícios para suas populações. Os primeiros a fazerem isso foram os argentinos sob a liderança do falastrão ex presidente Carlos Menen, sempre sob a idéia, incansavelmente repetida pelos grandes grupos de comunicação, de jornais a televisões, de que vender tudo para estrangeiros era a melhor coisa a fazer. E por um preço bem baixo, bem abaixo mesmo do valor real das instalações, usinas e fábricas e ainda com empréstimos de bancos estatais de desenvolvimento nacional para ajudar os grandes grupos estrangeiros que então teriam mais dinheiro para comprar o que era patrimônio nacional. Poderia existir negócio melhor?
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O resultado, diziam os jornalistas e comentaristas econômicos, seria uma maravilha. As dívidas nacionais desapareceriam, o povo viveria melhor e melhor ainda, os bondosos estrangeiros assumiriam o controle de tudo, desde as grandes usinas hidrelétricas até as redes de telefonia para fazer a nação feliz e bem melhor de vida. Claro, nenhum jornalista dizia que seus jornais e televisões já estavam comprados com a promessa de verbas publicitárias milionárias e ainda por cima pretendiam tomar parte no negócio. A população, não só da Argentina, mas também de outros países da América Latina caiu no estelionato. Ainda por cima dirigidas por governantes e presidentes comprometidos com essa traição, perderam tudo.
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O resultado foi o que se viu. Desemprego, relações de trabalho onde os funcionários dos novos donos são explorados ao máximo, péssimos serviços oferecidos por um preço muito maior do que era cobrado antes, sucateamento das hidrelétricas, redes de energia, redes de telefonica, desnacionalização da estrutura fabril e produtiva das nações sul-americanas e esmagamento dos empreendedores nacionais. Tudo sob o comedido silêncio dos comentaristas econômicos, ainda comprados pelas verbas publicitárias. Quer dizer, os que ainda estão empregados, pois boa parte dos jornalistas que escreviam pregando a "flexibilização" das relações de trabalho, leia-se máxima exploração da força de trabalho com o mínimo de direitos, também foi para as ruas, não para entrevistar os indignados, mas como demitidos mesmo. Bem feito.
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Aliás uma das máximas que esses jornalistas sempre pregaram era a de que "não havia almoço grátis" que era um dos dogmas da escola econômica orientada pelo economista americano Milton Friedman, que preconizava a destruição do estado que assistisse seus cidadãos, que regulamentasse as atividades dos grandes grupos econômicos e industriais e que enfim, deixasse nação e cidadãos entregues à selvageria do mercado e das grandes corporações agindo como bem entendessem.
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Para Friedman proteger o cidadão da guerra do mercado era errado, era dar almoço grátis para seus cidadãos. No entanto seus seguidores sempre acharam certo que diretores e presidentes de empresas falidas como a General Motors nos EUA recebessem ajuda do governo americano e mais ainda, que seus dirigentes embolsassem boa parte dessa ajuda como "bonus" devido ao seu trabalho, que consistiu unicamente em levar suas empresas à falência.
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Quanto aos funcionários, esses foram contemplados com demissões em massa. Como pregava a escola de Milton Friedman, não existia "almoço grátis" a não ser para os presidentes dos grandes grupos econômicos que embolsaram bônus de milhões de dólares. E com teorias como esta, os jornalistas das nações sul-americanas não tiveram vergonha em desempenhar o papel de traidores do próprio povo, martelando sem parar a idéia de que o patrimônio energético, telefônico e viário era caro demais para as nações sul-americanas, era melhor vendê-lo para estrangeiros. Além de verem desaparecer a dívida interna, os maravilhados cidadãos ainda seriam premiados com tarifas mais baixas. Além de acontecer exatamente o contrário, receberam como prêmio extra o desemprego.

Um dos mais interessantes exemplos de como tudo veio a terminar, já que uma vez devorada a vítima de além mar, esse monstro econômico continuava com fome, foi o caso de Portugal. Lá por 1500, quando aportou pelas terras sul-americanas, Portugal trazia com seus administradores, vícios políticos dos piores, que a terra recém descoberta, para infelicidade de seus habitantes herdou.
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Era acompanhada nisso pela Espanha. Depois de séculos de exploração e predação econômica, quando faliram sob o peso de seus vícios políticos e administrativos, mesmo tendo tido quase duzentos anos para purgarem seus erros e se apresentarem renovadas ao mundo, as duas nações retornaram para representar novamente um deprimente espetáculo de predação das relações sociais e econômicas dos países que vitimaram outra vez, juntamento com o trabalho de governantes mais assemelhados a traidores do que qualquer outra coisa. E agora, como há trezentos anos atrás estão pobres de novo.

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Portugueses hoje depredam os imensos pedágios, que lá são chamados de portagens, colocados em estradas absurdamente superdimensionadas, que estariam mais bem colocadas em países como a Alemanha, com sua imensa frota automotiva. E hoje o primeiro ministro português fala em "alicerçar as exportações para recuperar as finanças públicas".
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Com certeza, exportando produtos de altíssima tecnologia como azeitonas, azeite de oliva, vinho e cortiça, quem sabe Portugal poderá até desequilibrar o comércio mundial. Se isso não tiver o retorno esperado, poderão os portugueses exportarem o fado, tradicional música portuguesa. Tudo é válido na hora do aperto.
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Quanto à Espanha, resta um caminho semelhante, com a exportação de vinhos e produtos hortifrutículas. Sem dúvida, um gigante da produção industrial, que sabe-se lá porque, hoje anda de chapéu na mão à cata de alguns euros da Alemanha, França, Holanda e alguns outros europeus de coração mole.
E hoje resta aos indignados que sempre se consideraram superiores aos sul-americanos, pularem a catraca do metrô de Madrid (ora essa, que coisa mais sul-americana) ou depredarem o pedágio em Portugal, em nome do movimento dos indignados, que olhando para o passado, em momento algum ficaram indignados quando souberam dos crimes econômicos cometidos pelas grandes corporações de seus países contra as populações sul-americanas, enganadas por seus jornalistas e traídas por seus governantes e entregues aos grandes grupos econômicos dos seus países.
Os assim tão auto-proclamados indignados, que procuram despertar simpatias pelo mundo afora, nada mais são do que vítimas do próprio monstro que ajudaram a criar.
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Não foi bom enquanto esse monstro atacou outros povos? Não foi lucrativo para eles enquanto o desemprego que provocavam em outros países lhes dava dividendos das ações dos seus idolatrados grupos industriais?
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Resta agora irem almoçar, se acharem alguém que lhes empreste dinheiro para isso, mas seguindo a máxima de Milton Friedman de que não existe almoço grátis, é bom irem se conformando com um emagrecimento forçado. Não foi o que sempre acharam bom para outros povos?
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Ora essa, porque ficam indignados agora que chegou a vez deles? Quanta hipocrisia.

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