Continua ainda, mas já com uma certa expressão de tédio na fala dos apresentadores, a divulgação de algumas notícias sobre o caso do jovem filho de uma atriz da Rede Globo atropelado e morto por outro jovem da dita sociedade da classe média, representativa do que temos de melhor e pior na política e no judiciário do Brasil. Bem, é verdade que a parte melhor é bem pequena e boa parte já emigrou para outros países, mas a vida prossegue.
No caso do jovem e do menino, um arrastado até a morte e o outro atropelado e morto, não só a situação deixa evidente esse vício da impunidade que a classe média decidiu cultuar e que com o passar dos anos transformou em lei. Afinal, aos poucos ela conseguiu se infiltrar no judiciário e no legislativo e para lá levou essas deformidades de caráter. Um deputado aqui, um magistrado alí e ano após ano tudo foi se ajeitando. Claro, as leis tem que mudar, os entendimentos jurídicos tem que mudar e acompanhar os tempos. Mudança é uma coisa, perversão é outra. Agora porque será que ela reclama com passeatas? Se bem que a passeata só leva a dois lugares. De um lado a praia, de outro os bares. Isso é o que sintetiza o pensamento da classe média. Julgamento justo, garantias constitucionais, garantias jurídicas, tudo isso é nome de fantasia para o objetivo principal: impunidade. Desde que o sujeito possa pagar advogados caríssimos. Que o diga Pimenta Neves, assassino confesso da jornalista Sandra Gomide com quem mantinha um caso amoroso, condenado em primeira e segunda instâncias a 19 anos de prisão em regime fechado e que está soltíssimo.
Mas nem tudo está perdido. Uma passeata aqui, outra alí e pelo menos a tarde está salva. Alternativas tentadoras. De um lado um belo mergulho na praia, de outro, a tarde a bebericar em bares da moda e a discutir filósofos e juristas famosos e seus pareceres. E fazer de conta que tudo parece diferente. Na calçada, quem vai indo embora pensa que é melhor ter cuidado na hora de atravessar a rua porque todo mundo bebeu bastante. No estacionamento, quem liga o carro lembra que se acontecer qualquer coisa o advogado já disse que ele terá o direito de não fazer o teste do bafômetro.
Foi o que fiquei imaginando ao mudar de canal no meio do noticiário. Com a imagem cheia de chuviscos ainda ví o pedaço de um documentário que mostrava uma briga de cães, tradicional em alguns países. Com o triste espetáculo dos animais se atacando daquela forma, atiçados pelos seus donos, não pude deixar de fazer uma analogia com a classe média dos dias de hoje. De um lado a hipocrisia e a impunidade como donas, do outro a classe média solta sem coleira. E toca a dar dentada.Mudei de canal, mas não era o dia de espetáculos alegres. No outro canal, com boa imagem, aparecia uma horda de mortos-vivos de um filme de terror atacando a dentadas mais uma vítima, que é claro, ia virar zumbí também.
Com seu passeio diário de impunidades às custas do sangue dos seus próprios filhos, o comportamento da classe média fica melhor retratado ou numa triste briga de cães se arrebentando a dentadas ou numa cena de fime de terror, com zumbís atacando a vítima, que depois se vê transformada num deles também.
Pela disposição e mentalidade de manter a impunidade e a justiça do faz-de-conta intocáveis por muito tempo, parece que a classe média ainda tem um longo banquete pela frente.
O que ela não gosta muito é quando é servida não pelo garçom, mas como prato pincipal.





