segunda-feira, 26 de julho de 2010

P42 A lataria e o martelo

Modelos políticos e uniformes...
Prossegue sem maiores novidades e provavelmente terá o velho e conhecido fim de impunidade para os envolvidos a tragédia que se abateu sobre a atriz Cissa Guimarães, que teve o filho Rafael Mascarenhas atropelado e morto por um motorista que fazia um racha num túnel interditado no Rio de Janeiro, onde Rafael andava de skate com os amigos.

Depois do atropelamento um caso escabroso começou a ser mostrado para todo o Brasil após a identificação do motorista, que ao mesmo tempo em que era mostrado próximo do túnel sendo parado por uma viatura da polícia militar e sendo liberado, trouxe à tona revelações surpreendentes. Segundo ele os policiais sabiam do atropelamento e exigiram uma propina para manterem-no oculto. Assim que saiu a notícia o comandante dos policiais, em entrevista coletiva teceu todos os elogios possíveis aos dois envolvidos, até que a Rede Globo mostrou um vídeo de câmeras de segurança que quase confirma a versão do motorista. Na frente de imagens indesmentíveis, o comandante deixou de lado os elogios e anunciou a prisão dos envolvidos.

O que fica claro no episódio todo, vendo as imagens dos comandantes da Polícia Militar, é uma sensação insuportável da visão de conceitos políticos e sociais dos mais anacrônicos estampados em suas fardas. Quem viu os noticiários se lembra do comandante da corporação com sua farda ostentando uma inacreditável profusão de botões e enfeites de metal nos ombros que nos tempos atuais beiram o ridículo. Tanta lataria para tão tristes resultados. Aliás em todos os acontecimentos onde apareça algum comandante da polícia militar de qualquer estado brasileiro a imagem é sempre essa: um verdadeiro mostruário de botões, estrelas, comendas, latinhas e coisas do tipo. A explicação para isso, fazendo uma comparação com uniformes de outros países que se regem com outro pensamento social e político é simples.

Um exemplo marcante vem do exército americano. Pouco depois da virada do século passado os militares americanos deixaram seus uniformes mais contidos, com as antiquadas e excessivamente vistosas comendas de lata fora de seus uniformes, trocadas por pequenas tiras de tecido que indicavam a especialização e títulos de honra de seus portadores, com o mínimo de enfeites de metal em seus trajes, usados apenas para a diferenciação de traje militar com os símbolos da nação e da arma a que serviam.

Isso vem da mentalidade política dos americanos, adquirida na época da Revolução Americana de 1776 quando se revoltaram contra a tirania do rei inglês e efetivamente lutaram para ter sua nação. Avessos aos títulos de bajulação e sujeição política, retiraram do tratamento para as autoridades os títulos honoríficos e de nobreza exagerados, na visão deles apenas uma forma de humilhar o cidadão e submetê-lo a uma desigualdade absurda.

A visão da farda do General George C. Marshall mostra bem essa concepção. Um dos comandantes militares mais conceituados da 2a. Guerra Mundial, arquiteto do Plano Marshall que reergueu a Europa e estrategista de planos de batalha decisivos, a figura e a farda do General Marshall mostram a felicidade e o acerto dessa concepção política com sua sobriedade imponente.
Já do nosso lado, podemos pegar uma figura exemplar do apego e até mesmo da voracidade por títulos honoríficos e de nobreza desmesurados e ao mesmo tempo vazios, também passados para adornos e enfeites de trajes oficiais e fardas, assumidos e cultuados como forma de tratamento e visão das autoridades do modo mais absurdo possível, afastando toda e qualquer idéia de igualdade e comedimento. O maior exemplo está na farda dos militares sul-americanos. Ela retrata bem o que aconteceu nos países de língua espanhola e no Brasil, quando as metrópoles coloniais estavam tão enfraquecidas que seus imperadores não tiveram outra escolha a não ser abandonar suas colônias, que no mesmo momento foram tomadas por mandatários locais que absorveram assim nos tratamentos exigidos para seus nomes e nas espalhafatosas fardas que criaram, a postura dos velhos imperadores perdulários e atrapalhados, que tinham em seus herdeiros seus mais perfeito e em alguns casos, pior retrato.

Como não poderia deixar de ser, tal pensamento político, um verdadeiro rosário de misérias morais, tomou forma nos títulos honoríficos absurdos e nas risíveis fardas, cheias de botões rutilantes, latarias inacreditáveis nos ombros e enormes medalhas no peito, que causavam risos entre comandantes militares americanos, com suas fardas sóbrias e elegantes.
No vestuário das polícias militares do Brasil, essa mentalidade ultrapassada e visão política anacrônica continuam na forma dessa lataria toda, também sempre brilhando toda vez que um comandante policial militar aparece num caso desses.

Infelizmente, como vimos no último caso de corrupção acontecido, onde os policiais militares tentaram extorquir o causador do acidente, não há o que conserte essa lataria.

A não ser como os dois policiais deixaram entrever com sua tentativa de extorsão, um martelinho de ouro, tão conhecido nas funilarias.

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