domingo, 23 de maio de 2010

P33 Marina e o muro

Migalhas por cima do muro...
Na semana que passou, obedecendo a mais pura tradição política brasileira, veio a senadora Marina Silva mostrar ao futuros vencedores da próxima eleição presidencial que estará do lado do vencedor, seja ele de que partido for, ao mesmo tempo em que faz de conta que está do lado do povo, já que na última briga que teve com o governo do presidente Lula, perdeu o cargo de ministra e entrou para o Partido Verde, que últimamente pelas suas atitudes já parece mais verde da cor do dólar americano que dizem repudiar do que da bandeira que dizem representar. Mas isso tudo é dito em público é claro. Já nos bastidores a cor é outra.

Com seu discurso, a ex-ministra deixou claro a todos que participam da corrida presidencial, que é dando que se recebe e deu para todos que ainda tinham alguma dúvida a certeza de que como outras antigas figuras políticas que se diziam do lado da moralidade, ela tem a moralidade no mesmo conceito do látex tirado dos seringais da sua tão lamentada Amazônia. É apenas matéria prima para fazer a moralidade política brasileira que se estica como queira o freguês.

Em discurso inflamado Marina Silva defendeu as privatizações feitas no governo FHC, dizendo que é muito bom ter um telefone hoje na hora que quiser e que se faltou tranparência nas privatizações e a população pagou o prejuízo, ora afinal hoje ela pode comprar um telefone de poucos reais na hora em que quiser, enquanto as operadoras estrangeiras remetem a seus países bilhões de reais por mês. Não é muita coisa segundo ela, aliás é coisa para nem ser levada em conta. Analisado com mais atenção, o discurso da senadora deixa entrever em suas linhas como uma boa dose de demagogia com o eleitorado e submissão a estrangeiros ajuda a subir na política brasileira ou melhor dizendo, ajuda a pular o muro que deixa o povo de um lado e os jardins da casa grande intocados de outro. Ao que parece a senadora Marina Silva não prestou atenção num detalhe.

No início das privatizações Sérgio Mota estimava a venda da Telebrás em 60 bilhões de reais, depois de sua morte deixaram por 13 bilhões e no final saiu tudo por 8 bilhões de reais. A única coisa que as empresas estrangeiras fizeram foi se apossar dos milhões de quilômetros de cabos telefonicos instalados, centenas de centrais telefônicas e funcionários treinados, que demitiram para readmitir pela metade do salário, enquanto tinham todas as vantagens de financiamentos para a instalação de tecnologia que tornou o sistema de telecomunicações brasileiro totalmente dependente dos estrangeiros. Os bancos públicos que foram vendidos seguiram o mesmo modelo. Em todos os casos, o governo brasileiro, leia-se o cidadão que paga os impostos arcou com o passivo das empresas, enquanto que as empresas estrangeiras ficaram de posse das instalações, dos lucros e das contas bancárias existentes. A Companhia Vale do Rio Doce foi avaliada por empresas estrangeiras, claro, em 3 bilhões de reais. Hoje essas mesmas empresas avaliam a Vale em 90 bilhões de reais. Operadoras de telefonia podem ser obrigadas a devolver 10 bilhões de reais por cobranças indevidas. Geradoras de eletricidade podem ser obrigadas a devolver ao consumidor brasileiro 7 bilhões de reais. Isso consta de reportagens de jornais, rapidamente silenciadas pelas suas editorias, que vivem da verba publicitária dessas mesmas empresas. Afinal, porque é que empresas de telefonia estrangeiras compraram 20% do capital acionário da "Folha de São Paulo"? Existem muitas formas de comprar o silêncio e a cumplicidade. Mas com tudo isso a senadora Marina Silva se sente bem á vontade. Afinal para ela o povo brasileiro pode pagar o prejuízo. Afinal o povo brasileiro paga até o salário dela. Prejuízo por prejuízo até que não incomoda.

Resta ao cidadão brasileiro, com sua moderna central telefônica pela qual paga até 7 vezes mais caro do que cidadãos de outros países que hoje lhe oferecem o mesmo serviço, ligar para algum 0800 estrangeira o para reclamar sobre isso. E ao invés de ficar ouvindo musiquinha, vão colocar algum discurso da senadora Marina Silva para ele ficar ouvindo.

Assim a senadora dá o recado aos candidatos do PT, do PSDB e seus aliados do PMDB e do DEM de que suas capitanias hereditárias não serão tocadas de forma alguma. Aliás, a senadora diz nas entrelinhas em alto e bom som que depois que perdeu o emprego de ministra no governo Lula, se acha aberta a propostas venham elas de que partido vierem. Ou seja, sabendo que sua candidatura é só uma corrida para o prestígio que ainda pode conseguir, ela se declara alinhada e obediente às diretrizes do novo governo, seja ele de quem for. Afinal, quem sabe, isso pode render um ministério, uma secretaria.

Se as privatizações foram afinal um tão bom negócio para o país, é de se perguntar porque a senadora nos seus tempos de ministério não privatizou as áreas públicas da floresta amazônica. Ora, não teria sido melhor? Afinal, mais essa, até mesmo as melhores estradas do Brasil hoje rendem milhões de dólares por mês a americanos e europeus, hoje donos delas. Claro, nenhum deles se interessou em comprar as estradas federais em péssimo estado. Só se interessaram pelas melhores e mais bem conservadas.

Continuando a reforçar seu recado de obediência, a senadora diz que é necessário também cortar os gastos do governo. Isso quer dizer nos bastidores que o alvo dos cortes sãao os gastos da previdência, da saúde e da educação, enquanto uma propaganda milionária é feita dizendo que está tudo às mil maravilhas nessa parte.

É dessa forma que podemos ver nos dias de hoje a falsidade e acima de tudo o horror do jogo político, onde vale tudo, cuspir nos ideais que um dia foram levantados como bandeira, se é que foram ideais de verdade. No fundo era tudo pura demagogia.

A senadora Marina Silva encarna com todas as cores disso a figura do político brasileiro. A de quem promete de tudo aos cidadãos, aos eleitores, desde que a ajudem a pular o muro que separa a casa grande dos políticos da senzala dos cidadãos. Uma vez lá dentro, abrirá os portões para que todos entrem e mudem tudo.

Mas assim que a ajudam a pular o muro, assim que alcança o jardim da casa grande, agora já amiga dos proprietários, ela nada mais faz do que jogar algumas migalhas do bolo por cima do muro.

Delfim Neto com sua idéia de repartir o bolo depois que ele crescesse, era bem mais correto.